Há uns anos vivia na paz. Fazia a minha vida no campo e, sim, havia alguma taxa de criminalidade na minha aldeia da beira litoral, mas baixíssima. De há uns tempos para cá, as coisas alteraram-se. A nossa pacata comunidade sofreu uma americanização e a influência dessa sociedade onde as armas de fogo são permitidas, mas os ovos Kinder não, está a destruir-nos.
Várias amigas minhas foram abordadas na rua e mutiladas. Contam-se histórias horríveis em que os bandidos, de faca em punho, nos cortam o escalpe e removem cirurgicamente o miolo. As vítimas são encontradas apáticas, de boca aberta e olhos esbugalhados, como vegetais - mais do que antes entenda-se. Apenas uma chama de vida.
Este email, que pedia que fosse divulgado tanto quanto possível, pretende ser um alerta. Mas é também um grito deseperado por ajuda. Tragam de volta a celebração mais portuguesa do Dia de Todos os Santos. E deixem a minha comunidade em paz.
As máscaras guardavam-se para o Carnaval. E a noite de 31 só não era uma noite como as outras - abóboras só para a sopa porque já antecipávamos a overdose de açúcar do dia seguinte.
No dia 1 acordava cedo e entusiasmada ia ter com o meu primo Tiago para pedir bolinho. Sem adultos atrás. Era de manhã e era seguro percorrer a aldeia. A lenga-lenga a cada porta, de cada grupo de crianças:
Ó tia dá boliiiinho!!
E os mais atrevidos acresecentavam (mas baixo):
Com uma tranca no fociiiinho!!
A maior parte das pessoas dava rebuçados (não sabem ate que idade eu disse rubeçados). Delirávamos com os chocolatinhos. Torcíamos o nariz quando as ofertas eram de facto bolos. E tínhamos nojo de morte de quando nos misturavam tremoços húmidos na saca dos doces. Chegando a casa espalhávamos tudo em cima de uma toalha estendida no chão e começávamos a contar, em competição. Doces às centenas e de lado o que não nos interessava. No bolso umas moedas tímidas, dos velhotes da aldeia que davam 50 escudos a cada um. E uma nota de passar a casa da avó.
Será muito estranho que amanhã uma adulta de 28 anos vá bater à porta das mesmas casa a pedir doces? Apetecia-me tanto...