Se não tens namorada/o, devias ter. Se tens, porque não casas? Se te casas (ou tens casa) arranja um filho. Já agora, é bom que a casa tenha cortinas. Se já tens o primeiro filho, tens de fazer outro. E se, por azar, forem dois meninos, tens de ir à menina (o contrário também se aplica).
Porquê? Há uma razão perfeitamente válida, lógica, científica, infalível, aprovada por Deus, pelas avós e pelas vizinhas do rés do chão. E está logo no título...
Eu até costumo dizer que nada na vida é preto ou branco, é tudo em vários tons de cinza. Mas desde o fenómeno das sombras de Grey que isto já não me soa tão profundo.
Terá sido a frase que o meu pai mais vezes me repetiu face às minhas investidas de chica-esperta. Falo sempre muito assertiva, como quem conhece os cantos ao mundo - isto para aí desde que aprendi a dizer frases inteiras e o Sr.Zé do café da rotunda me chamou grafonola. É difícil que quem me ouve não ache que eu sei do que estou a falar só pela segurança com que o digo, mas o meu pai nunca se deixou enganar: tu não sabes o que é a vida.
Ocorreu-me no outro dia, que finalmente sei o que ele queria dizer - e, caramba levou-me 28 anos e um período reforçado de trágico-comédias para perceber isto. Levou-me 28 anos para chegar a este estado de alerta geral: em todos os minutos carrego todas as responsabilidades do mundo. E o grande segredo de se ser adulto é ter este estado de consciência que pesa mais do que todos os quilos que tenho no corpo, e ao mesmo tempo seguir com a vida. Ser feliz apesar da mochila das preocupações nos estar colada ao corpo, porque a tiracolo levamos a bolsa de ânimo. Não podemos largar nenhuma.
Não há pausas nem intervalos para encontrar a alegria por entre a confusão. Não há uma hora para sorrir e outra para chorar: todas as horas são de tudo ao mesmo tempo. Otimismo e pessimismo são conceitos que se confundem e deixam de fazer sentido: é a realidade que nos alimenta e nos faz crescer.
O autocarro estava muito atrasado e ela não podia esperar mais. Então, mesmo debaixo daquele calor surdo às queixas da velhota sentada à sombra, pôs-se a caminho. Desejou ter calçado saltos altos. Ninguém a percebia, porque é suposto os rasos serem tão mais confortáveis. É que os saltos altos marcam compasso e pontuam a caminhada. E têm o conforto da beleza, que ela tanto quer fingir.
Foi quase sem reparar que reparou. Talvez tenha virado a cabeça para sacudir o cabelo que lhe passeava nos ombros. E viu a entrada para a rua dela. Já não era a rua dela, na verdade. Mas foi por muitos anos. A rua onde reconhecia a porta e subia até ao último andar para o apartamento velho que chamou de casa por uma década. Que partilhou com uma amiga, com ninguém, com a irmã, com o seu amor. Onde recebeu amigos para verem sentados no chão o Portugal x Inglaterra do Euro 2004 e comerem bacalhau com natas como a mãe lhe tinha ensinado a fazer. Onde levou rapazes diferentes para beijos diferentes e desilusões diferentes. Onde chorou, sorriu, deseperou, foi feliz.
Pensou nisto tudo naquela fração de segundo em que reparou na rua. Talvez tenha virado a cabeça para sacudir o cabelo que lhe passeava nos ombros. O calor não dava descanso e ela não dava descanso aos sapatos rasos, que deviam ter salto alto, para lhe marcar o compasso e pontuar a caminhada. Já estava atrasada. Que a vida não pára.