Saia comprida, paciência curta
Saiu de casa de saia comprida. Mala ao ombro, pasta do computador a tiracolo, telemóvel numa mão, chaves do carro na outra. Sem conseguir levantar um pouco a saia - que tinha as mãos ocupadas - tropeçou logo no tapete da entrada. Depois entalou o tecido na porta do carro. Prendeu-a nos pedais.
Saiu já toda amarrotada.
Desdobrou-se em reuniões pela manhã, com intervalos para maldizer a escolha de roupa. Almoçou uma maçã sentada à secretária (havia lá paciência para andar de um lado para o outro com aquilo vestido?).
Ao fim do dia conduziu para o hospital e esperou pela hora da visita sentada no carro, muito quieta. Por causa da saia.
E ao fim de um tempo lá seguiu. A tropeçar na saia, nos degraus, na vida outra vez.
Entrou no quarto 303 e foi recebida com aquele sorriso tão familiar, mas já tão apagado. Mais a cada visita, a cada final de cada dia - já fazia um mês.
- Que se passa contigo miúda?
- É esta maldita saia, que me atrapalha e me tem arruinado o dia. Não tenho paciência para andar com isto.
A culpa não era da saia. E ela sabia. Era só mais facil pensar assim.