Atire a primeira pedra #37
Quem nunca deixou de lado uma parte do almoço para fazer caber a sobremesa.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Quem nunca deixou de lado uma parte do almoço para fazer caber a sobremesa.
Hoje esperei - literalmente - horas para almoçar com um amigo. Esperei tanto que já nem estavam a servir refeições no tasco da esquina onde combinamos. Já sentados, a devorar dois pregos ensossos e um cachorro em pão ressequido, ele diz-me:
- Isto está mesmo bom, não está?
A provar que tudo na vida é relativo. Bem me dizia o meu pai quando eu recusava "pão de ontem": hás-de querer pão com bolor para comer e não o terás.
Cobras? Aranhas? Alturas? Espaços fechados?
Nada disso. Uma pessoa out como eu, também não podia estar dentro das maiores tendências de medo (preferem dizer receio, não é?).
Sou de nicho: tenho pavor de sobras de comida.
E gostava muito de vos dizer que isto era uma metáfora para mostrar como sou solidária com a população mundial que passa fome e portanto odeio desperdiçar, mas o caso é mesmo que quando sobra comida no prato (ou no tacho) e já não é para efeito alimentar, passa a causar-me um ligeiro nojo. Agora venham as pragas, já estou a ouvir a minha avô a dizer "a comida nunca é nojo" enquanto me atiça o chinelo e um de vocês caros comentadores - ou vários - a mandar-me queimar no Inferno (descansem, que estou certa que vou). Mas é uma coisa cá de dentro e não há meio de controlar: num minuto estou a comer o arrozinho quente e é delicioso, no outro o arroz arrefece, está de sobra no rebordo do prato e custa-me horrores lidar com o bicho-arroz, mesmo para a infame prática de raspar o prato com um guardanapo em direção ao lixo (arrepia-me só de pensar).
Podia dar-me para pior, nasci assim. E à falta do Moço e da minha mãe sempre tive de engolir esta pseudo-fobia e lidar com o resto-de-comida o melhor que pude. Afinal levei quase dez anos a morar sozinha ou com roommate e uma pessoa tem de se fazer à vida. Hoje em dia, sempre que possível, vigora o acordo com o rapaz: eu faço a comida, ele desfaz-se dela. Salvo seja.
Isto para dizer que hoje, por motivos que agora não interessam nada, vi-me a almoçar sozinha no El Corte Inglès (amén, H3 Limone) e passei um autêntico pesadelo quando terminei a refeição. Não é que os sacanas fizeram uma espécie de corredor da morte na zona da restauração? A pessoa vai de boa vontade, quer facilitar e segue os sinais para ir pousar a bandeja com o prato. E tem de passar por um corredor de restos de comida, ladeado de tabuleiros de todo o mundo que almoçou, largados de um lado e outro da paliçada, para cumprir o seu civilizado dever. Ao menos é no El Corte Inglès, onde ninguém com doenças (tipo pobreza) vai. Só eu.
Para a próxima, almoço um gelado da Hagen-dasz e já não tenho estes problemas.
Odeio esta expressão, por mais que seja verdadeira em 97.5% dos casos.
Paga-se um almoço a um parceiro para otimizar o acordo.
Paga-se o almoço a um amigo para lhe pedir ou pagar um favor ou agradecer uma ajuda.
Paga-se o almoço à miúda em busca de tu-sabes-bem-o-quê.
Paga-se um almoço ao vizinho porque no outro dia ele nos pagou a nós.
Olho por olho, dentro por dente - filosofia execrável.
Percebo a parte da troca em nome de um bem comum (respeito e uso, não minto). Mas não posso com a obrigatoriedade. A mesquinhez do ele-deu-por-isso-agora-é-a-tua-vez. O "não há almoços grátis" - adoro oferecer "almoços" sem esperar nada em troca e portanto também assumo que me façam bem sem olhar a recompensas.
Isto para dizer que hoje ia a subir as escadas do metro e uma senhora estava lá no cimo com um carrinho de bebé. Nem estava particularmente atrapalhada, mas o rapaz à minha frente prontificou-se para ajudá-la a trazer o carrinho para baixo. E eu pensei: este é dos outros 2.5%. [A não ser que depois tenha pedido à mulher para lhe carregar o passe.]
937 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.