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Maria das Palavras

A blogger menos in do pedaço, a destruir mitos urbanos desde 1986. Prazer.

23
Mar20

O flagelo das Videochamadas

Maria das Palavras

Uma das coisas que me está a custar com a crise que para aqui vai não é o isolamento em si, mas um dos efeitos mais nefastos do mesmo: a propagação das videochamadas

A febre das videochamadas tem um período de incubação médio de 5 dias a partir do isolamento, mas mais tarde ou mais cedo revela sintomas em todos os vossos grupos de Whatsapp. As principais ferramentas de contágio são o Skype, o Zoom e agora uma coisa chamada House Party, porque um mal nunca vem só e além de falarmos todos, também temos de jogar todos. 

 

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Eu juro que até sou uma rapariga simpática, que aprecia o contacto com os seus amigos e familiares. Mas mais pessoal. Ou por mensagem escrita. Ou por carta. Culpo pelo trauma o meu pai que sempre me disse que o telefone era para marcar o namoro e não para namorar. Só que agora não dá para marcar nada, mas eu também não me habituei em 34 anos a conviver à distância. Bicho do mato in the house.


Eu vejo vários problemas nisto das videochamadas.


O primeiro é que anula de imediato a maior vantagem de não se sair de casa que é usar o pijama mais rançoso que se tenha all day long e a pessoa não tomar banho, nem se pentear durante cerca de...ora...vai para 13 dias que não saio de casa. E o meu cabelo a partir do dia 2 já destila azeite. Podem dizer que não faz mal, estão entre pessoas próximas, mas toda a gente sabe que é obrigatório publicar imagens das videochamadas nas redes sociais, por isso não pensem que a vossa triste figura em robe de borbotos se vai manter em segredo.

 

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Depois no meio da confusão de janelas, em que às vezes um não se ouve, outro não se vê, há sempre alguém que fica com a imagem parada e uma alminha diz "o não-sei-das-quantas freezou". E "freezou" é uma palavra que me eriça a ponto de me crescerem cabelos debaixos das unhas. E a pessoa que diz isso nas chamadas que temos feito é o Moço. 

Mas mesmo que a ligação esteja a funcionar bem para todos, parecemos todos estrábicos, porque ninguém olha para o sítio certo. A câmara é num sítio, nós olhamos para outro, o que é o equivalente a estar frente a frente para alguém a conversar e um fala a olhar para os pés, outro fala a olhar para o tecto. 

 

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No geral a verdade é que para falarmos todos, acaba por não falar ninguém, que é mais ou menos a sensação que eu tenho em jantares de amigos com mais de 10 pessoas e videochamadas com mais de quatro. Mas já determinámos que eu sou um bicho do mato.
Mas até pode ser que sto me ajude a contribuir para a economia. Agora que o mercado de trabalho é capaz de piorar, até estou capaz de contratar uma assistente só para me gerir os horários das videochamadas, que começa a ser difícil acomodá-las todas, sobretudo se contabilizarmos o período para eu me queixar das chamadas também. 

O meu limite atual, que desconfio que está prestes a ser sacrificado em nome da amizade, são as chamadas à hora de almoço e jantar. Porque já era fácil entendermo-nos todos e falarmos à vez quando só estávamos concentrados nisso, agora adicionem a isto termos todos a obrigação de ter a refeição feita à mesma hora, termos de pôr a mesa (já estamos todos a fazer refeições em cima da cama, certo?) e apoiar o telemóvel num ângulo que nos favoreça (nunca é de baixo, minha gente!) enquanto deglutimos as sobras de ontem. O glamour já estava pela hora da morte, agora faleceu mesmo. 

 

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A minha sugestão é que continuemos a falar todos uns com os outros, mas, por exemplo, cada um vira a câmara para a sua jarra favorita. 
Ainda assim quando as chamadas ultrapassam a marca da meia hora, já começo a ter o índice de atenção de uma suricata e apetece-me pousar o telemóvel e re-encenar aquele anúncio do "siiiim, mãaaae". Sabem?


Posto isto, vou encontrar um martelo e dar cabo de todas as câmaras possíveis cá em casa. Mas sim, continuo muito tranquila, e vocês?

 

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