Passei o fim-de-semana em Lisboa a sentir que tinha regressado ao lar. As pessoas, os lugares, a comida. É tudo meu, há tanto tempo. Do Tejo à segunda circular, dos monumentos aos centros comerciais. Casa.
Domingo à noite regressei à nova cidade. Da estação de comboio vi o topo da igreja matriz iluminada. Estou em Casa, pensei outra vez, sem querer, agora numa cidade diferente.
Lisboa não deixou de ser minha, como Leiria nunca deixou. E tenho uma Casa aqui. Agora. Também.
Também. Não "em vez de".
Liguei ao Moço a dizer que tinha chegado e acrescentei "Sabes? Acho que vamos gostar de morar aqui". Ele nunca duvidou. Sempre soube que a geografia não importa.
Os meus pulmões habituaram-se ao monóxido de carbono e acho que fico doente sem ele. Gosto da calçada com buracos e de ter de pensar duas vezes no que calço por causa dos ladrilhos fora do sítio. Gosto que me virem a cara e não me obriguem a dizer bom dia, porque a verdade é que não me conhecem e seria um desejo vazio. Gosto que me deixem andar sozinha e finjam que não vêem se tropeçar e cair no chão (estou a assumir que não fiquei inconsciente). Gosto de ter as lojas todas no mesmo edifício grande a que chamam shopping - e o verbo não engana, mesmo que não seja tão pitoresco como as lojas de rua a que admiro a fachada e também moram na cidade. Gosto das histórias dos grafittis, mesmo que digam "Amutxi Sara". Gosto de estar à vontade na loja, sem ser notada e sem que me ofereçam ajuda porque há mais a quem acudir - eu peço, se precisar. Gosto das salas de cinema com 20 filmes mesmo que eu só vá ver um e já sabia qual. Gosto das luzes do trânsito que apita, mesmo que não goste de me engarrafar nele. Gosto do movimento que não pára, da vida que não se esgota, das sirenes e dos gritos da vizinha que tem a cara do resto da multidão. Gosto até das coisas que não gosto, só porque fazem parte desta cidade que eu amo e é Lisboa. Da mesma forma que gosto dos defeitos das pessoas que são minhas, só porque são elas e as aceito por inteiro.
Nasci no campo e sou rato da cidade. Que (des)graça a minha.