Convenci-o mesmo com todo o meu discurso ecológico, juntei que era mais económico (apesar de já não ser propriamente barato) do que pagar estacionamento ao pé do Chiado e como machadada final lembrei-o que quando estamos fora nunca se coíbe de andar de transportes públicos, por isso se calhar também devia dar uma oportunidade aos da cidade dele.
As personagens que se passeiam pelo metro não se limitam de forma nenhuma a estas cinco. Mas estas conquistam-me pela sua peculiaridade. Não se coíbam de acrescentar os vossos favoritos, se faltam na lista.
A Raça Superior
Vão sempre a ler, nem que o livro esteja de pernas para o ar. Nem que o metro esteja tão cheio que é impossível virar a página e tenham de ler sempre o mesmo parágrafo durante 40 minutos. Lêem mesmo que o metro esteja com perturbações e as luzes se apaguem. Lêem por vezes o mesmo livro durante vários anos. Mas ocultam-no atrás de capinhas de pano com padrão.
Os Inseguros Quando entraram na carruagem aproximaram-se do mapa do percurso e contaram as estações. Sentaram-se. E a partir daí voltaram a levantar-se a cada estação para rever o mapa e contar novamente as estações certificando-se que não deveriam já ter saído. Deitam olhares ansiosos para o mapinha a cada 30 segundos, como quem espera uma surpresa (a plataforma para Hogwarts? a conversão súbita da linha azul no expresso do Oriente?) e esticam muito o pescoço para ver o sinal luminoso que diz o nome da estação seguinte dos dois lados da carruagem - embora digam exatamente o mesmo.
Os Smart-Passengers
Vão conectados com o seu iphone ou android gigante com ar executivo e importante, de quem já começou a trabalhar, fazendo gestos rápidos com os dedos no ecrã como quem toma 1000 decisões antes do pequeno-almoço. Mas quando o metro pára numa estação e o silêncio é maior, ouve-se distintamente a musiquinha de fundo do Candy Crush.
Os Bullys
Esperam qualquer oportunidade para poderem despejar nos companheiros do metro a frustração que sentem porque o marido não lhes toca há meses ou não são aumentados há anos. Se alguém lhes toca, pede espaço, passa para se sentar, ou faz algum comentário de forma educada, respondem para o ar de forma embrutecida. Atenção, o segredo da espécie é nunca falar diretamente para a pessoa de quem se estão a queixar. Olham para o oxigénio do metro e falam alto sem encarar ninguém, atirando "há gente muito mal educada" e "o que uma pessoa tem de aturar", por entre alguns desabafos em francês corrente.
Os Acomodados
Tratam o metro por tu. Sentem-se em casa no fundo. Por isso aproveitam aquele tempo para pôr conversas pessoais em dia por telefone, ensinando a todos os passageiros em volta (que no fundo são como família) qual a última discussão com o namorado que as engravidou. Ou limam descontraidamente as unhas e pinçam os pêlos das sobrancelhas, porque um ritual de higiene e beleza está tão bem numa carruagem do metro como na provacidade do seu wc. Privacidade? O que é isso? São cidadãos do mundo.
Estou eu a comprar bilhete na maquineta do metro (num daqueles dias em que o metro não está em greve) e chega-se uma pessoa com ar chupadinho da droga ao pé de mim:
- Tem uma moedinha?
Eu, impassível nestas coisas (a não ser que possa dar comida):
- Não.
Nesse preciso momento caem as moedas todas do troco do bilhete acabado de pagar como se tivesse ganho um jackpot: TLIM TLIM TLIM TLIM TLIM.