Depois desta acusação do Moço e de me terem linchado em praça pública por não querer que me digam "bom dia" quando estou a trocar de roupa no ginásio, passou-se outro episódio. E eu, que acho sempre que sou encantadora (às primeiras, pelo menos, depois torno-me irritante porque quando vou ganhando confiança não me calo e abuso na brincadeira e na ironia e já não me suportam), tive de me render às evidências: sou uma besta (e é mesmo logo às primeiras).
Estava com uma amiga e o Moço liga-me. Falo com ele, desligo e vejo-a muito séria a olhar para mim.
Amiga: Afinal não é só a mim que fazes isto!!
Maria: Isto, o quê?
Amiga: Tu nunca te despedes ao telefone!
Maria: Não é verdade...
Amiga: É, é! Qual foi a última coisa que o Moço te disse?
Maria: Tchau? Beijinhos?
Amiga: Tu não respondeste nada! Só desligaste! Fazes o mesmo comigo. Até já te fiz o mesmo para ver se gostavas, mas tu nem ligaste nenhuma e eu fiquei a sentir-me mal a achar que podias ter mais alguma coisa para dizer e eu cortei a chamada...
Pois, meus caros, isto é assim: eu não quero retirar poder a ninguém. Se o Moço (ou a minha amiga) dizem "adeus" estão a terminar a chamada e não precisam da minha validação. Não é preciso eu autorizar. Eles despedem-se e eu limito-me a obedecer. Se dissesse "adeus" também estaria a dizer que eles sozinhos não têm poder aos meus olhos para deter a decisão do fim da chamada - e eu respeito-os muito.
Pelo menos foi assim que racionalizei a questão e a expliquei. Porque tenho sempre resposta para tudo - inventada na hora.
A verdade é que nunca me apercebi que fazia isto. Que vivi anos a fio sem noção que não respondia ao "adeus" telefónico. Logo eu que sou toda "por favores" e "obrigados". Uma besta, afinal. Peço desculpa à humanidade. Por existir, enfim.
Vou num passeio com uns quatro (4, IV, four, quatre) metros de largura. Vou a escrevinhar no telemóvel, mas atenta. Reparo que vem um senhora a andar em direção a mim (ou eu a ela) e desvio-me para a esquerda ou para a direita - isso das direções é que é mais complicado para mim. Por coincidência ela desviou-se para o mesmo lado e tivemos de parar meio segundo. Sorri para ela, teve graça. Só que não. Ela abriu os braços carrancudos, como quem diz "sua anormal, andas ao telemóvel e obrigas-me a fazer o bailinho da Madeira para passar". Porque eu até adivinho para que lado ela se ia desviar, ou se calhar devia ter feito o pisca. Ela lá passou e eu só fiquei a pensar como a vida é feita de escolhas. Ela até podia não ter tempo, mas uma curva ascendente nos lábios não demora um centésimo de segundo. Não demora mais que a brusquidão da asa aberta. E ela também podia ter escolhido sorrir.
Está bem, já percebi que a besta sou eu por não achar particular graça a darem-me os bons dias quando estou nua, suada e contrariada, a tentar fazer-me passar por despercebida, num balneário de ginásio.
Mas...se formos almoçar a casa de uns tios que já não víamos há muito tempo [a história que se segue é real e pode ferir susceptibilidades] e eles perguntarem como parte da conversa "como é que somos dos intestinos"? Também devemos considerar que é só questão de simpatia e descrever animadamente o funcionamento da flora intestinal?
Não estou a tentar comparar as duas coisas (até uma anta social como eu percebe a diferença). Estou só a tentar perceber onde traçar limites. E isto tem de ser ultrapassá-los, certo?