Ficou ali parada muito tempo. As árvores mexiam-se. O galo de ferro no topo da casa rodava. Corria lixo pelo chão. E ela que não saía do mesmo sítio. As pessoas passavam olhando, intrigadas, para a moça que dali não saía há horas. Já se comentava no café da esquina.
Ela parecia lúcida, replicaram, quando alguém sugeriu que talvez precisasse de ajuda. Ninguém lhe perguntava o que se passava.
Até cumprimentava quem lhe desse as boas tardes, quase em sussurro. Só não saía dali. E estava prometida uma tempestade para mais logo.
A dois passos da porta de casa. A chave da porta pousada no degrau. O gato nem vadiou nesse dia, ficou sempre à janela, como se trocasse a vez com ela, que não entrava. Braços caídos, olhos quase cerrados, cansados de mirar o horizonte. O cabelo já em desalinho. A saia a dançar ao sabor do vento, mas ela não.
O mistério era simples.
Esperava uma rajada de vento que a levasse para qualquer direção. Porque ela não sabia para onde ir.
Temos a mania de definir os outros por aquilo que lhes é exterior. O trabalho, uma doença, qualquer coisa.
A Marina, a florista.
A Isabel, que teve cancro. O Felipe, que é surfista.
Vícios que vêm do tempo dos reis talvez, quais cognomes que nos identificam. Uma palavra que nos reduz a uma característica.
Pois o que nós somos é todo um conjunto de coisas muito para além daquela que se destaca. E mais, é a forma como lidamos com isso ou que nos fez chegar lá, que nos define. As intenções, as reações, as motivações, as aprendizagens. As floristas do mundo não são todas iguais, mesmo sendo todas floristas.
Não somos latas de sopa, raios. Não é ler o rótulo que diz Sopa de Tomate e já sabemos tudo.
E o mais grave é quando somos nós próprios que nos reduzimos a uma característica só e nos definimos em função do que fazemos e não do que somos. Ser mãe não chega. Ser esposa não chega. Ser profissional não chega. Ser aquela que isto-ou-aquilo não chega. Uma palavra não chega. Porque há tantas coisas diferentes que dão sentido à nossa existência.