Pedi (pela milésima vez) ao Moço que me formatasse o velhinho netbook (vulgo, computador pequenininho) para voltar a usar. Ele instruiu-me (pela milésima vez) a fazer um back up dos dados primeiro. E desta vez fi-lo mesmo.
E que surpresa tive ao fazê-lo. As fotos de uma Maria rodeada dos mesmos amigos de hoje em modo full-youthness, as centenas de documentos de textos perdidos, até uma pasta relativa a um blog que tive numa vida passada, a letra do genérico da volta a Portugal da RTP e o Kamasutra em PDF (!), para verem bem as pérolas com que me deparei. Aquele computador parece de outra pessoa, se não denunciasse tão bem que era meu.
Agora, a cereja no topo do bolo da minha palermice, para perceberem que isto de eu ser meio avariada não é coisa de hoje. No desktop estava um documento de texto em bloco de notas, com o título ABRIR HOJE. Não é muito anormal eu fazer coisas deste género, quando sei que no dia seguinte tenho de tratar de alguma coisa assim que ligue o computador, por isso nada me preparou para o recado que eu tinha deixado para mim própria:
"Se eu ganhar o Euromilhões, a primeira coisa que faço é comprar um pacote de batatas fritas com sabor a presunto."
Retiro-me assim. Deixo a caixa de comentários à vossa disposição...
A SMS dramática do Moço, esfomeado, lá da fila dos grelhados, há mais de meia hora à espera (eu já bem sentada na zona de restauração do Colombo a devorar um hambúrguer):
Adenda: ele não faleceu.
[PS.: A sério que ainda não me adicionaram no Facebook?...uau...corrijam já esse problema aqui]
O título e a inspiração para este texto, peço-os emprestados ao Alpendre da Maria Alfacinha. Que Marias há muitas, mas nem todas com esta categoria. Diz ela:
A mim também me contaram histórias em pequena, desde que me lembro de ser micro-gente. O meu pai, mais ainda a minha mãe, cediam sempre ao meu capricho (foram eles que o criaram afinal) quando lhes estendia uma e outra vez um livro. Não as inventavam, liam-mas.
Um dia, disse à minha mãe, do alto dos meus quatro ou cinco aninhos (sei lá): agora leio eu! Peguei no livro e comecei: as palavras todas certas e seguidas. Ela riu-se assumindo que eu tinha decorado o livro inteiro. Só que não. E puxou de outro livro e de mais um, escolheu passagens ao acaso. E convenceu-se: eu tinha aprendido a ler. Não foi à força de os meus pais quererem fazer de mim menina-prodígio, nem o fui alguma vez. Foi - agora peço as palavras emprestadas ao anúncio da Luso - tão natural como a minha sede. As crianças gostam é de brincar e aquela era umas das minhas brincadeiras favoritas (a maior parte das outras envolvia o quintal grande da minha avó e bonecas que eu enchia de bolacha migada).
Contaram-me tantas histórias que me fizeram querê-las contar também. E ouvi-las: sempre. Foi isto. Contar e ouvir histórias faz parte da rotina da minha casa. E não precisa haver crianças. Só uma voz suave, uma pitada de imaginação e pelo menos um par de olhinhos a brilhar. E isso, por aqui, arranja-se sempre.
MUITO BOM: A forma como a história é contada. O tal do narrador inconfiável, que não nos conta tudo o que sabe, que não sabe tudo o que há para contar e nos vai fazendo descobrir a trama aos poucos.
BOM: O livro começa meio mole e não senti logo o ímpeto de não largar. Mas foi crescendo. A forma como se organiza também propicia que queiramos sempre mais um bocadinho.
ASSIM-ASSIM: As personagens são todas caóticas. Eu sei que todos nós temos o caos em nós, em maior ou menor quantidade, neste ou naquele momento. Mas ali, não há personagem que se safe. Torna a história pouco realista (é muita loucura em tão poucas casas). Mas vá...é ficção.
MAU: É quase desde o início que se percebe um facto muito importante que, no fundo, nos conta o desfecho e nos deixa logo descobrir o mistério principal do livro. Se não soubesse aquilo que adivinhei logo (e não fui a única, por certo) teria tido um elemento surpresa grande lá pelo fim e teria gostado muito mais. E não era só desconfiar - eu sabia.
[Nota-se que estou um bocadinho dividida? Na dúvida: leiam. Até porque gostava de saber com qual das opiniões (ou quantas) concordam.]
Queria escrever. Iamos a meio de um passeio e lembrei-me de coisas que queria escrever. Precisava registar para mais tarde e as palavras eram algumas, o telemóvel não dava. Tinha uma caneta e nenhum sítio onde assentar as frases que já me estavam a querer fugir. Entramos os dois numas quantas lojinhas daquele sítio que não conhecíamos assim tão bem, mas em nenhuma havia cadernos.
Sentamo-nos numa esplanada à beira-mar, a beber uma água fresca (fosse eu uma blogger in, e poderia muito bem ser un gin). Avistei uma espécie de banca de artesanato que talvez fosse a minha salvação. Pedi licença e fui espreitar. Nada onde se pudesse escrever - só postais. Voltei ao meu lugar. Estava oficialmente de birra. Não me apetecia conversar, nem nada. Só escrever e não tinha solução. Abandonei-me ao mau feitio. Fiz que tinha cinco anos e não queria saber. De nada.
Levanta-se o Moço e desaparece por uns minutos. Eu fico a ler, contrariada. Quando reaparece tem um bloco de notas. Pequenino. Perfeito.
E ocorre-me que eu não sou assim. Que sou controlada. Que não me largo simplesmente aos problemas. Que sou uma solucionadora, que me desenrasco, que vejo o lado melhor e me adapto. Ocorre-me que a birra que faço, como se tivesse cinco anos, só a faço ao pé dele. Como talvez fizesse em pequena, ao pé dos meus pais. Ocorre-me que me sinto protegida, que sei que ele toma conta de mim. Que faço cara feia por ter a certeza que ele me arranca um sorriso a seguir. Ocorre-me a sorte que tenho por me poder dar ao luxo de fazer birras.
Homens com pestanas nos olhos tão compridas que servem para estender roupa, ou gerar um vento fresco no verão. E eu com estes cotinhos de pelo à volta dos olhos...