Vou fingir que não mudou nada. Está muito calor e é um daqueles dias despreocupados. Ele leva-me pela mão, mas sou eu que o puxo, sou sempre eu que o puxo no meu passo acelerado. Dir-se-ia que não aprecio a viagem - e é mentira. O meu passo é acelerado a tentar acompanhar a vida. Fazer tudo, viver tudo, sentir tudo, antes que o tempo se esgote.
Pico do Verão e nada para fazer. Manhãs preguiçosas, tardes agitadas, noites para sonhar. Sumos de laranja ao pequeno-almoço, gelados à tarde, noites sem casaquinho de malha.
Moda: Escrevo-vos com uma t-shirt cinzenta com uma nódoa ao canto do peito.
Livros: Só quando a recomendação é fortíssima e tenho vergonha de alguns que leio.
Poupar: Infelizmente, é quase sempre a gastar.
Eleições: Ando a analisar tudo com base nos cartazes e não me estou a safar.
Portanto o meu blog não é de nada, confesso. Mas é tão meu e gosto tanto dele (inserir slogan da Matinal) que acho que devia haver uma nova tab no Sapo Blogs. Lifestyle? Pessoal? Humor? Amor? Futilidades? Nada disso. Nada. Literalmente nada. Quero a tab Blogs de Nada. E que figure lá o meu. Assinem a petição em baixo, por favor, que não se deve contrariar uma blogger com uma crise de identidade.
O meu avô era benfiquista. Eu não. Sempre fui sportinguista, em movimento contrário a toda a família. Foi na passagem de ano e muitos anos já passaram. Quando o mundo todo estava a começar de novo, o meu avô acabou. É incrível como ele tinha quase setenta anos e para mim nunca chegou a ser velho. O meu companheiro de viagens barrigudo, com quem preenchi cadernos de quadras (havia um que tinha capa do Rei Leão, lembras-te mãe? sabes onde está? onde fizemos o relato em verso de uma viagem a Mirandela?).
Não percebi que ele ia morrer - digo assim, sem eufemismos. Não sei quando se tornou suposto que ele deixasse de estar conosco. O meu pai avisou-me. Mas ainda há umas semanas ele tinha visitado a minha casa em Lisboa, eu acabara de me mudar para a capital para estudar e os meus avós vieram ver se a neta mais velha estava bem instalada. O meu avô? Fresco que nem uma alface? Lá por estar no hospital, isso não queria dizer nada. Os médicos nem sabiam bem o que ele tinha. Estava enganado o meu pai. Só que não. Num instante estava a minha mãe coberta de lágrimas a pedir-me que trocasse a camisola cinzenta por outra mais escura. 1 de Janeiro. Não há brilho, nem dourados e o único "novo" deste "ano" é desgosto.
Não fui ao funeral. Tinha idade para isso. Não me arrependo.
Já não estava lá o meu avô e eu não ia conseguir dar alento a ninguém. Disseram-me que não tinha de ir, que podia ficar a tomar conta das mais pequenas. E eu agarrei com dez mãos a oportunidade para não pisotear o meu sofrimento, assistindo a um ritual de morte que considero bárbaro e escusado. Coisas minhas.
O Benfica não ganhava o campeonato há dez anos na altura que o meu avô morreu. Dez. Nessa época, mais tarde, em Maio, sagrou-se novamente campeão. O meu avô não viu. Esperaram os anos certos para não lhe dar mais uma alegria. E é por esta razão perfeitamente irracional e dramática, que jamais conseguirei perdoar o clube encarnado, simpatizar com ele ou apreciar o voo da águia.