O meu avô era benfiquista. Eu não. Sempre fui sportinguista, em movimento contrário a toda a família. Foi na passagem de ano e muitos anos já passaram. Quando o mundo todo estava a começar de novo, o meu avô acabou. É incrível como ele tinha quase setenta anos e para mim nunca chegou a ser velho. O meu companheiro de viagens barrigudo, com quem preenchi cadernos de quadras (havia um que tinha capa do Rei Leão, lembras-te mãe? sabes onde está? onde fizemos o relato em verso de uma viagem a Mirandela?).
Não percebi que ele ia morrer - digo assim, sem eufemismos. Não sei quando se tornou suposto que ele deixasse de estar conosco. O meu pai avisou-me. Mas ainda há umas semanas ele tinha visitado a minha casa em Lisboa, eu acabara de me mudar para a capital para estudar e os meus avós vieram ver se a neta mais velha estava bem instalada. O meu avô? Fresco que nem uma alface? Lá por estar no hospital, isso não queria dizer nada. Os médicos nem sabiam bem o que ele tinha. Estava enganado o meu pai. Só que não. Num instante estava a minha mãe coberta de lágrimas a pedir-me que trocasse a camisola cinzenta por outra mais escura. 1 de Janeiro. Não há brilho, nem dourados e o único "novo" deste "ano" é desgosto.
Não fui ao funeral. Tinha idade para isso. Não me arrependo.
Já não estava lá o meu avô e eu não ia conseguir dar alento a ninguém. Disseram-me que não tinha de ir, que podia ficar a tomar conta das mais pequenas. E eu agarrei com dez mãos a oportunidade para não pisotear o meu sofrimento, assistindo a um ritual de morte que considero bárbaro e escusado. Coisas minhas.
O Benfica não ganhava o campeonato há dez anos na altura que o meu avô morreu. Dez. Nessa época, mais tarde, em Maio, sagrou-se novamente campeão. O meu avô não viu. Esperaram os anos certos para não lhe dar mais uma alegria. E é por esta razão perfeitamente irracional e dramática, que jamais conseguirei perdoar o clube encarnado, simpatizar com ele ou apreciar o voo da águia.
Se este blog não me tiver servido para mais nada (ODISSEIAS ESTOU AQUI DE MALAS FEITAS PARA O FIM DE SEMANA NUM HOTEL UPA UPA), serviu-me para conhecer esta música. E isso é tudo. Estou há cinco minutos a rir (bem sei que é falha cultural minha). Obrigada Eu, O Parolo e os Outros.
Eu também fazia isto (e com idade para ter muito juízo, já). Às vezes, porque sou bicho de me deitar cedo, também ligava com o telemóvel para o telefone de casa para pedir silêncio a quem estava na sala.
Passo a vida refilar porque o Moço vai de carro para o ginásio a dez minutos a pé da nossa casa. Não faz sentido sob nenhum ponto de vista. Não ponho uma unha no ginásio, enquanto planeio deixar que a celulite me engula até aos olhos.
Passo as noites a tossir e empilho as almofadas sob a minha cabeça numa tentativa de parar e cumprir a ordem do dentista (que pode perceber muito de dentes, mas não percebe os mistérios insondáveis da garganta e não sabe que não depende o impulso da minha vontade). O Moço chega do trabalho - trabalhou de noite - e deita-se ao meu lado. Quando desperto reparo que dorme com a cabeça caída no colchão. A almofada dele era uma das cinco que eu tinha empilhadas e ele não fez a mínima menção de ma tirar.
O dentista arranca-me o siso e diz: "há aqui um problema, mas se fizer como lhe digo vai correr tudo bem. Não pode tossir ou assoar-se nos próximos dois dias por causa do coágulo".