O meu pai perguntou-me quando eu estaria de férias. Só porque sim, por estarmos perto do Natal. Quando começaria a pausa, perguntou-se ele. Uma pergunta que me causou estranheza. Férias de Natal tiram-se na altura da escola. A vida agora não pára para eu passar uns dias aninhada a ver filmes no sofá, sem mais responsabilidades. Uma pergunta tola, "ó pai, que pergunta, já não há isso de férias de Natal".
E agora que estou afincadamente a trabalhar em tudo o que tem de ser feito esta semana, lembro-me da pergunta do meu pai e faz sentido, afinal. Não queria estar a fazer nada que não fosse gozar esta altura encantada do ano. Em que tudo são luzes, passeios frios, lareiras quentes, família, amigos e postais trocados. Quero parar que seja uma vez por ano para apreciar isso. E apenas um fim-de-semana mais o dia 25 parece pouco para apreciar as coisas mais importantes da vida.
Dentro do Centro Comercial Arena, enquanto fazíamos um bocadinho de tempo para ir ver o jogo ao Dragão (ele Portista ansioso, eu na torcida pelo Marítimo para favorecer o meu Sportin'):
Moço: Devíamos ir andando.
Maria: Txiii, ainda falta meia hora...
Moço:Já só falta meia-hora.
Maria: Mas podemos ficar aqui mais um bocadinho só para não arrefermos logo.
Moço: Maria, bom argumento...não estivesses tu a comer um gelado...
Quando a aleatoriedade do Universo (ou Deus, se preferirem) me fez existir, esqueceu-se de me por num berço dourado. Pôs-me num berço fofo com bordados à mão da minha avó, rodeado de carinho e boa vontade e isso já não foi nada mau, dizem as boas línguas que até será melhor. Mas de ouro, só mesmo umas pulseiritas finas no batizado e um fio daqueles com o primeiro dente que me caiu atarrachado que me ensinaram a estimar como um tesouro e por isso permaneceram sempre guardados.
Talvez seja por isso que consigo apreciar pequenas vitórias como poder ir ao supermercado e comprar pacotes de bolachas que não estavam na lista. Lembro-me muitas vezes, enquanto encho o cesto ou o carrinho, que nem toda a gente o pode fazer. Juro que lembro.
E talvez pouca gente acredite nisso, porque se houver alguém a pedir para uma iniciativa qualquer que não conheço (crianças, idosos, doentes, animais abandonados, piolho dos cactos...) à porta desse mesmo supermercado, nego a ajuda sem pudor. Isso não está relacionado com egoísmo puro, ou a impossibilidade de contribuir para todas as causas: tem a ver com descrença. Não sei quem organizou aquilo e para onde vai.
A não ser que reconheça muito bem a entidade/instituição (Banco Alimentar, Operação Nariz Vermelho, e poucas outras) não penso duas vezes antes de recusar. Mesmo a essas prefiro dar de forma organizada, quando posso, por via online, em vez de em emboscadas locais. E peço imensa desculpa por isso, por esta veia de São Tomé, que certamente me impede às vezes de contribuir para causas legitimas, dentro das minhas possibilidades. Mas a verdade é que a honestidade é cada vez mais rara. Raríssima.
Peguem agora mesmo num papel e escrevam o que gostariam de fazer ou alcançar no próximo ano. E comecem hoje a trabalhar para esse objetivo. Garanto que se não conseguem hoje, também não será o 1 de Janeiro a fazer a diferença.
A vossa participação estonteante no Instagram valeu quatro perguntas inteiras sobre o meu Natal. O que me leva a crer que a maior parte de vós não quer saber coisíssima nenhuma sobre a minha celebração do 25 de Dezembro - e respeito muitíssimo esse facto porque eu também não sou bisbilhoteira*. Vamos sem demora às respostas!
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@cilasilva1981 pergunta se gosto mais de bombons que caras de bacalhau.
Perguntar a uma lambona como eu se prefere qualquer coisa que engorde e vicie o cérebro em açucar a peixe que se coze é como perguntar ao Papa se costuma rezar. Em boa verdade, a minha estimada Cecília pegou na pergunta que achei que a minha mãe me faria (se é este ano que como caras de bacalhau com os adultos). Na noite da consoada comemos bacalhau, mas normalmente o meu é com natas, porque já vem sem espinhas (com a desvantagem de ter de ser eu a fazê-lo).
@desarumada_blog pergunta em que cidade vou passar o Natal e se já o passei longe da família.
Vou passar o Natal a Leiria. Desde pequena foi lá com os meus pais, irmã, avós maternos e pack tios + primas (que depois emigraram para França e a dinâmica da festa alterou-se um bocado). Passei duas vezes em Lisboa, quando já estava com o Moço (a minha outra família) e ele estava a trabalhar no Natal ou na véspera, mas os meus pais, irmã e avó vieram passar connosco. Também nos últimos anos dividi o Natal entre a minha família em Leiria e a dele em Vila Real, mas a consoada - que para mim é o verdadeiro Natal - foi sempre em Leiria. Não concebo a consoada sem os meus pais e a minha irmã e nem quero pensar numa altura em que algum deles não esteja no meu Natal porque eles são o meu Natal.
@umacartaforadobaralho pergunta quais são as minhas tradições natalícias.
Tenho muitas e poucas se perderam com o passar dos anos. Cozinhar em conjunto durante a tarde. Enfeitar as cabeças com chapéus de Pai Natal e chifres de rena. Teatrinhos, jogos e interlúdios musicais na espera pela hora certa. Sortear o nome da pessoa que tira a primeira prenda da árvore de Natal. O longo ritual de abertura de prendas (nem que seja todas meias) em que os mais novos (mesmo que isso signifique entre os 20 e os 30), à vez, tiram cada prenda, lêem de quem é e para quem é, e todos assistimos à revelação do que está no embrulho. Dormir com o pijama recebido nessa noite, mesmo sem o lavar. Uma prenda mais pequena no sapato na manhã seguinte, mesmo muito anos volvidos do tempo em que acreditávamos no Pai Natal (se é que alguma vez acreditei).
*Não sou bisbilhoteira, mas sou curiosa. Não deixem de partilhar comigo a resposta às mesmas perguntas. Sobretudo se também partilham alguma destas tradições comigo!
Eu estou aninhada no sofá com um livro (voltei a ler, deve querer dizer qualquer coisa). Ele está a ver a bola porque tem de fazer render a Sport TV que subscreveu só por um mês para ver o Porto empatar com o Benfica.
Só se ouve:
Não é para aí!
Grande jogada!
Ah, foi ao poste.
Devia ter cruzado.
...e afins.
Eu estou a ler. Não há mais ninguém na sala. Dentro da TV ninguém o ouve. Já lhe disse, mas ele continua.