Escrever um livro que os outros tenham vontade de ler (ou devam) é que é difícil.
Fosse de outra forma e as prateleiras na FNAC não exibiriam em destaque um livro que é basicamente um conjunto de frases feitas do Facebook sob o nome de um fenómeno viral do Youtube. E tantos outros, lá no refego, descansam, a merecer ser olhados e devorados.
Fosse de outra forma e não haveria um livro editado - editora e autor portugueses (e falamos de uma editora com algum nome na praça) - onde a maior parte dos à são á e os há são à, deitando assim por terra a minha teoria de que ler mais é garantia de saber escrever melhor (admitindo que o autor lê).
Fosse de outra forma e ser celebridade não seria por si só a maior garantia de se ter um sucesso de vendas em mãos.
Fosse de outra forma e até eu escreveria um livro.
Queria escrever. Iamos a meio de um passeio e lembrei-me de coisas que queria escrever. Precisava registar para mais tarde e as palavras eram algumas, o telemóvel não dava. Tinha uma caneta e nenhum sítio onde assentar as frases que já me estavam a querer fugir. Entramos os dois numas quantas lojinhas daquele sítio que não conhecíamos assim tão bem, mas em nenhuma havia cadernos.
Sentamo-nos numa esplanada à beira-mar, a beber uma água fresca (fosse eu uma blogger in, e poderia muito bem ser un gin). Avistei uma espécie de banca de artesanato que talvez fosse a minha salvação. Pedi licença e fui espreitar. Nada onde se pudesse escrever - só postais. Voltei ao meu lugar. Estava oficialmente de birra. Não me apetecia conversar, nem nada. Só escrever e não tinha solução. Abandonei-me ao mau feitio. Fiz que tinha cinco anos e não queria saber. De nada.
Levanta-se o Moço e desaparece por uns minutos. Eu fico a ler, contrariada. Quando reaparece tem um bloco de notas. Pequenino. Perfeito.
E ocorre-me que eu não sou assim. Que sou controlada. Que não me largo simplesmente aos problemas. Que sou uma solucionadora, que me desenrasco, que vejo o lado melhor e me adapto. Ocorre-me que a birra que faço, como se tivesse cinco anos, só a faço ao pé dele. Como talvez fizesse em pequena, ao pé dos meus pais. Ocorre-me que me sinto protegida, que sei que ele toma conta de mim. Que faço cara feia por ter a certeza que ele me arranca um sorriso a seguir. Ocorre-me a sorte que tenho por me poder dar ao luxo de fazer birras.
Pára de Rever. Pára de conter aquilo que queres escrever devido a constrangimentos que não te dizem respeito. Não voltes atrás. Não reescrevas. A tua principal função é Escrever não é Rever. É escrever as coisas tal como elas são. Tal como tu és. Sem Escrever não terás nada para Rever.
Não faças revisões baseado em ideias pré-concebidas, em medos, e em possíveis represálias imaginárias. Deixa o chicote do lado de fora e fecha a porta.
Senta-te, escreve e deixa a revisão para outra fase do processo.
Conhecemos de trás para a frente as teclas do nosso computador. Batemos nelas com a confiança única de quem se vê todos os dias e tem uma relação de intimidade ao mais alto nível (diz-me o que teclas e dir-te-ei quem és). Só elas sabem como escaparam ao grande banho do sumo de laranja em 2012 e o "a" e o "s" com as nossas impressões digitais marcadas guardam segredos, zangas, projetos confidenciais no trabalho e muitas horas de puro web fare niente.
Mas caramba, dêem-nos um teclado para estrear, em que a sensação de tocar cada tecla sabe a novo e sentimos uma vontade de escrever renovada, como quem quer deliciar-se com a novidade de botões que nunca antes explorou.
Será isto que sentem as pessoas que traem as mulheres/maridos de há anos e que amam? Mas multiplicado por mil? Caramba, estava capaz de os compreender*...