"Quando eu pensava que não podia ser mais feliz, manhã após manhã era mais, mas só um bocadinho mais do que o máximo humanamente possível; pensava eu ser absolutamente impossível que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a própria felicidade até. Mas, de repente, fui. Muito mais. Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre. E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tão triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negócio do século, por ela. Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou não é estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É."
Casar por Amor, de Miguel Esteves Cardoso, in Explicações de Português
(Todas as pessoas têm direito a descanso, menos as mães. Para cada tarefa, profissão ou encargo há direito a uma folga, menos para as mães. Se alguma mãe demonstrar a mínima fadiga de ser mãe, haverá logo uma besta, ignorante de limpar baba e de parir, que se oferecerá para a pôr em causa. Não é mãe, não sabe ser mãe, não foi feita para ser mãe, dirá. Mas, se todas as pessoas têm direiro a descanso, será que as mães não são pessoas? A culpa é nossa. Sim, a culpa é das mães. Deixámos que fossem os filhos a definir-nos.)
"(...) aquilo que desejo aos meus filhos é cidades e pessoas, montanhas e horizonte, desejo-lhes Nova Iorque e a Amazónia, desejo-lhes São Petersburgo e o entardecer lento da savana africana, desejo-lhes sorrisos da Tailândia e sake de Quioto."
Talvez a infelicidade seja o lugar mais confortável para a alma, concluo depois de anos e anos de ponderação. Tenho visto como nela se encosta muita gente sem dor concreta que se imponha, sem facto objetivo que a cause. Culpa, remorso, medo, sentido extremo de um dever imaginário, fantasiado pelo receio de perder o comboio, a confiança, o norte, o respeito. Vejo tudo isso naqueles que não escolhem senão permanecer no que são.
"Ela disse-me que era o vento Norte, mas eu não acreditei. Para mim não há vento no mundo que não venha de ti, mesmo que eu não saiba onde estás. É por isso que, em vez de um ponto cardeal, dou a todos os ventos o teu nome, apesar de não o dizer a ninguém.
Dá-me um certo prazer ver o mundo a abrigar-se de ti, ajeitando os colarinhos ou até segurando capuchos fugidios, enquanto eu abro o casaco e ofereço o meu peito ao frio. É assim que tu me tocas e me abraças nos dias que correm. É também assim que eu te respiro.
E então foi assim: uma criança fugiu à mãe para ir para os baloiços e eu segui-a com os olhos, não fosse ela desaparecer numa curva qualquer da cidade. Quando deu pela falta dela, a mãe procurou-a através da janela do café, entre as árvores que dançavam ao teu ritmo, e correu atrás dela com um cachecol cor de laranja na mão. Embrulhou-a como se embrulha uma prenda e voltou para dentro. Talvez por se ter apercebido que eu vira a cena toda, justificou-se chamando Norte ao vento. Sorri-lhe, mas não acreditei.
É só para te dizer que não precisas de soprar tão intensamente. Quando o vento amainar hás-de ser outra coisa qualquer."
"- Um bom livro, Marcus, não se mede apenas pelas últimas palavras, mas pelo efeito colectivo de todas as que as precederam. Cerca de meio segundo depois de terminar o livro, depois de ler a última palavra, o leitor deve sentir-se dominado por um sentimento poderoso; por um instante, só deve pensar em tudo o que acaba de ler, olhar para a capa e sorrir com uma ponta de tristeza porque vai sentir a falta das paersonagens. Um bom livro, Marcus, é um livro que lamentamos ter acabado de ler."
D'A Verdade Sobre o Caso de Harry Quebert, de Joël Dicker - um livro que vai custar a superar.