A dolorosa tradição do "parabéns a você"
Não falo em virar mais um capítulo a cada aniversário: cada um acomoda a idade com a graça que lhe aprouver. No entanto há certos rituais, que se têm vindo a aprimorar com o tempo, que me fazem sempre temer o momento do bolo.
1. O Parabéns a Você Infinito. Há sempre aquele atrasado mental que a meio da canção a recomeça, como se fosse um momento fantástico. Sejamos francos: os convidados estão desafinados e o aniversariante (sou só eu?) não sabe onde se enfiar, para onde olhar, se entra na cantoria ou bate palminhas como uma criança. O momento não se quer prolongar. Mas nãaaaaaaaao. Aquele anormal quer prolongar o momento. Entretanto, também o autor da letra está a dar voltas no caixão, porque há um uso escusado do "você" (parabéns a você? a sério?) e diz que quem canta são as nossas almas - antes fossem, talvez fosse um canto interior.
2. O Parabéns a Você Infinito - Parte II. Quando eu era novita não havia estas modernidades de prolongar a canção ao nível da epopeia musical. A música começava no "Parabéns a você" e acabava no "uma salva de palmas". Parece que alguém com uma veia de poeta ou diva da música, se lembrou de continuar a cantar quando todos se calavam e a moda pegou. Portanto há toda uma nova quadra para desejar saúde e amigos - mais amigos para quê? Para haver mais gente a cantar? E quando finalmente suspiramos de alívio porque acabou o ritual: olham para nós como se esperassem alguma coisa. E não é bolo. É um solo musical. Sei que começa com "Obrigado amigos" mas normalmente acabo logo com "não sei esta parte, vamos comer".
3. Trincar a Vela. O fabricante de velas que se lembrou desta é um génio. Como é que posso fazer para eles não guardem as velinhas e as reciclem até à morte riscando os numerozinhos? Ponho-os a trincar cera para dar boa sorte! Meus senhores: se ao trincarem cera querem pedir um desejo, que seja este: uma escova de dentes logo a seguir. Neste momento, imagino sempre pessoas muito finas a entrar num hotel elegante onde há candelabros com velas altas acesas e que de repentem perdem a pose, largam as malas e se põem com a cabecinha de lado a mordiscar as velas do lobby. Depois sacudo a cabeça e penso que é um disparate. As pessoas ricas que vão para hóteis com candelabros não têm desejos: compram tudo.
4. A primeira fatia de bolo. É uma espécie de "gostas mais do pai ou da mãe" aplicado a toda a família e/ou amigos. E agora? Dás a fatia de bolo à pessoa mais velha, talvez num insulto? À mãe que distendeu as ancas para te trazer ao mundo? Ao namorado, criando mais uma quezília tipo quem-é-o-homem-da-tua-vida com o pai? Conselho: come a primeira fatia e engole a dúvida.
Mais constrangimentos de aniversário, há por aí?