A escolha de um um (per)curso
Por esta altura decorrem as candidaturas ao ensino superior. Lembro-me (já foi há uma vida, cruz credo) de marcar 6 opções no boletim quando queria apenas a primeira. Sabia o que queria naquele momento e não me arrependi nunca de o ter feito. Não sei se senti o peso da escolha que estava a fazer. Parecia-me errado deixar linhas em branco, ainda assim. Não era só um curso, era um percurso para a minha vida, dirão muitos.
Lembro-me com mais exatidão da noite em que saíam os resultados e eu levei o portátil, um Compaq gigante, para o hall de entrada, para desligar o telefone e ligar a internet (estou a sentir-me octagenária a escrever este texto), equilibrando a maquineta ao pé do arranjo de flores da minha mãe e os blocos rabiscados dos telefonemas. Os sons do costume: IEEEE-TCHEC-ZZZ-TRRRR-IIIII. Ligação efetuada. Lembro-me de estar ao telefone com a minha amiga de sempre, com quem viria a partilhar a casa velha em Lisboa. De no dia seguinte já estar a caminho da capital, duas mães e duas filhas num carro. A minha média pintada na testa pelos veteranos. Conhecer a minha senhoria. Estudar. Gritar a defesa sem luvas do Ricardo pela seleção sentada no chão com 10 colegas em minha casa. Dar jantares. Passar exames. Ver novelas com a minha roommate. Fazer um estágio. Beber cafés no miradouro de S.Pedro de Alcântara. Ficar fechada no elevador. Morar sozinha. Apaixonar-me. Visitar Praga. Mudar de casa. Estudar com a minha irmã. Criar este blog. Escrever este texto.
É verdade, houve um caminho que começou nessa candidtura - ou continuou a partir dessa milestone. Mas muitas outras escolhas foram feitas para além do curso. Muitos outros eventos e opções ditaram o lugar onde estou hoje, e não estou a falar da cadeira bege onde estou sentada e que tive oportunidade de a) comprar com o meu dinheiro e b) ver a minha irmã riscar com tinta azul. Olhando agora para trás, acho que essa foi até a escolha menos importante. Que poderia ser feliz em muitas áreas diferentes. Que a diferença que o curso fez na minha vida, não foi tanta como o empenho com que o frequentei, as amizades on campus, o desafio de ser crescida longe da família, conhecer pessoas novas.
Se estás hoje no lugar que estive há (OH-MEU-DEUS) 11 anos, guarda contigo o que disse o professor na primeira aula desse meu (per)curso: a licenciatura é só uma licença para aprender. O curso não te define. Não define sequer a tua carreira. Ou o sucesso que terás nela. Por isso, se não estás certo do que queres fazer - ou se estás, mas não estás certo que consigas entrada nesse curso com que sempre sonhaste, - respira fundo e de alívio. O curso é só uma das linhas do teu percurso. E reajustar o nosso percurso à medida que a vida se contrói e nós nos conhecemos, é tão nobre quanto lutar pelo que queremos ou ser dono de (in)certezas. E agora que já estou a soar a uma vidente-cigana-bêbada-filósofa-saudosista a agarrar a tua mão sem saber ler a sina, vou pousar a caneta (ou largar o teclado). Boa sorte nisto da vida.