A Maria e o Principezinho
O pequeno príncipe louro, a rosa, o piloto que desenhou uma caixa porque não sabia desenhar uma ovelha e decidiu que ela estava ali dentro. Um livro que é lido com diferentes mensagens, por pessoas diferentes, de idades diferentes. Um livro de crianças, também escrito para adultos. Um livro que nos ensina coisas sobre a vida. Tantas, dizem.
Sei que tinha pelo menos sete anos, porque foi no Continente de Leiria, que só abriu em 1993. Sempre que a minha mãe ia aviar-se para o mês, normalmente à boleia dos meus avós (que era Sábado e aos Sábados o pai trabalha), eu ia com eles e ficava sentada na secção dos livros a ler. Via todos, pegava num que me parecesse bem, sentava-me ao fundo de uma prateleira (às vezes da secção da roupa, onde me podia afundar um bocadinho) e lia. Era como estar numa biblioteca e pelo menos nunca ninguém me chateou por fazê-lo. Nem tinha porque fazê-lo que eu estimava os livros como se fossem meus. No fim das compras (e sabe Deus que eles conseguiam passar horas naquele exercício desinteressante de passear pelos corredores a escolher a melhor embalagem de papel higiénico - ainda hoje penso que seja esse trauma que me faz preferir as compras online) passavam lá para me ir buscar para a caixa, para pagarmos e sairmos. Na altura não deviam raptar crianças no supermercado, estou aqui eu a pensar.
Nesse dia peguei n'O Principezinho. nem sei explicar porquê. A capa não era assim tão gira e a história, vista daqui dos meus 29 anos, sem mais interpretações (que a criança de pouco mais de 7 anos que eu seria, não alcançava simbolismos), é meio tosca, digo eu, a contrariar o terceiro maior fenómeno de vendas a nível mundial.
Em todo o caso a criança que fui era aparentemente mais esperta que a adulta que sou e percebeu o fenómeno do livro, mesmo sem nunca ter lido no Google sobre ele e sem saber que era suposto aquele conjunto de páginas conter uma história capaz de encantar muitos milhões.
Quando a minha mãe e os meus avós me foram buscar para nos encaminharmos para a saída, não correu tão bem como das outras vezes. Queria levar o livro comigo. Abri birra. Lembro-me de chorar no supermercado, logo eu que nem gosto de chorar, muito menos à frente de seja quem for. Logo eu que nunca fazia birras à minha mãe. Não sei o que me deu. Tenho imagens desse episódio na cabeça. As minhas lágrimas ruidosas. Ali nós todos à beira da prateleira dos livros que hoje em dia já não é no mesmo corredor.
A minha mãe foi impassível. Suponho que não quisesse premiar o mau comportamento e, ao mesmo tempo, bem sei que as compras iam sempre de tostão bem contado: as coisas da lista para comer e para a casa e um pequeno "luxo" que era praí uma peça de roupa da Zippy (que era necessária, afinal) ou uns chocolates para experimentarmos todos. Não vale a pena perguntar-lhe se foi isso que tenho a certeza que não se lembra.
Então o meu avô disse que me dava o livro. O meu avô, a estragar-me em mimos, à neta mais velha, menina dos seus olhos. Tanto que só partiu quando eu deixei de ser menina - como se alguma vez eu fosse deixar de ser menina para ele, enfim.
Tão longe que fui para ter esse livro, que fiz uma cena no supermercado. Para ter esse livro que, sem saber na altura, me deveria ensinar sobre a vida. Não valeu a pena. Hoje, que até sei o que são metáforas e posso interpretar o livro, continuo a não saber nada sobre ela. A vida.