A Maria sem saudade.
No caminho para a consulta de ontem, passei à minha porta de muitos anos. De lá saía uma noiva. Assim do nada. Daquela porta de entrada de prédio onde passei tantas vezes saía uma mulher vestida de noiva. Parei para pensar (parei apenas metaforicamente, que já ia quase atrasada) no tempo que lá vivi. Foram quase dez anos, que acabaram há perto de três. Espremi o peito por um bocadinho de saudade e não saiu nada. E fui feliz ali, que bem sei. Fui feliz e infeliz, morei sozinha e acompanhada, estudei, trabalhei e fiz nenhum, levei lá muitos amigos a comer bacalhau com natas e um tacho de conversa, vi jogos da seleção sentada no chão, na micro-TV com colegas em volta de braços no ar, ri-me, chateei-me, cacei osgas e pus vinagre na varanda para afastar os gatos que a tomavam por urinol. Os momentos ficam onde pertencem. Gostei de viver esse tempo, como gostei da minha infância de brincadeiras à volta da casa de terreno grande dos meus avós, onde as maiores preocupações da minha vida eram apanhar uma carraça que me matasse de febre amarela ou engolir uma pastilha. Como gostei da adolescência das paixões desmesuradas e não correspondidas, quando jogava volei com a C. junto às varandas altas dos vizinhos e me fechava no sotão com a P. a ensaiar canções da Céline Dion em francês. Não tenho saudades do que vivi, estou bem no meu tempo que num ano transato. Não por estar melhor ou pior. Mas porque tudo tem um ordem mais ou menos caótica e eu sinto-me bem a seguir a minha.