A minha avó e o chinelo
Hoje estive com ela e não me ameaçou com o chinelo. Mas não é porque eu já tenho 28 anos e ela até estava com dores nas costas. Foi só porque eu não me portei mal.
Se não me engano nunca o senti, mas muitas vezes ouvi "olha que levas com o chinelo!" e punha-me em sentido. Às vezes olhar ou apontar para o dito bastava. Ou descalcá-lo por um segundo.
Passei muito tempo em casa dos meus avós, durante a infância, e nunca precisaram de proibir a televisão ou pôr-me de castigo colada a uma parede para que me portasse bem. E eu até posso ser uma bem-comportada de feitio, mas com a minha irmã foi o mesmo - e ela era tudo menos bem-comportada de feitio...ou de alma, ou de corpo, que a miúda ainda hoje (que já não é miúda) continua a ser torcida.
O segredo era simples. E não era o chinelo da minha avó, mas o conceito que transportava na sola ou no pano (quase sempre azul). Era o mesmo conceito que se prendia nos olhos do meu pai olhando fixamente para mim.
Uma palavra: disciplina.
Mas não acredito nem por um segundo que isso fosse um exclusivo do saudoso passado. Continua a haver disciplina nos lares e nas crianças. Nalguns e nalgumas. Naquele tempo também tinha coleguinhas de escola sem respeito a nada. E não acredito que alguns não tivessem levado até toque de cinto em casa. Que fosse tão simples como: melhor educação, melhor comportamento. Não o era, como não o é hoje em dia.
E a única mágoa que tenho é que ao mesmo tempo que a minha avó me ensinava o que era o respeito com uma peça de calçado eu não tenha ganho aversão a sapatos. A minha carteira e o meu homem (que tem sempre só 30% do espaço de arrumação que é dos dois) agradeceriam.