A minha mãe foi a primeira feminista que conheci (e provavelmente não sabe)
Os meus pais tiveram a graça de terem duas filhas. Sou a mais velha e há uma mais traquinas a seguir. Desde cedo fomos habituadas em casa…a não fazer nada. Pode ser confundido com preguiça (que também temos de sobra), mas foi a educação que a nossa mãe nos deu, o que pode ser ainda mais confuso, mas eu explico.
Vamos mais atrás. A minha mãe teve dois irmãos. Um mais novo e um mais velho. Criada com pais e avós, numa família onde só as mulheres trabalhavam em casa (mesmo que também trabalhassem fora de casa), via-se injustiçada, sobretudo a mando de uma avó, a ter de tratar de todos os afazeres, enquanto os irmãos brincavam livres, em casa e na rua. Ao fim do dia, ao recolher, ainda lidava com as marotices deles, que lhe deixavam um qualquer presente no quarto – por exemplo, a aranha mais gorda que encontrassem no quintal.
Não devem confundir nada disto com maldade. Era a maneira como as coisas eram e não se conhecia outra realidade. Os horizontes estavam fechados.
Voltamos a um passado mais recente. Uns 20 anos atrás. Éramos pequenas. Brincamos na sala. Provavelmente eu estou num canto a ler e a minha irmã está a brincar com alguma coisa que não deve. Já temos idade (pelo menos eu) para ajudar a minha mãe na cozinha, mas a minha mãe rejeita a ideia. Ela prefere fazer as camas, tratar da roupa, cozinhar e limpar tudo sozinha. Diz que fez demais quando era menina, só por ser menina, e não quer que cresçamos assim.
É verdade que não nos educou para tratar da casa. O correto, provavelmente, seria fazê-lo independentemente do género. O problema é que ela só tinha meninas na amostra. Eventualmente safámo-nos bem: consta que se aprendi quando precisei de me safar, qualquer homem de qualquer idade também consegue, sem ter de usar a desculpa que a isso não foi habituado. Educou-nos antes a pensar que isso não era uma tarefa nossa por default.
Hoje olho para trás e dou muito valor ao que a minha mãe faz e sempre fez. Arrependo-me de não ter ajudado mais no passado, ainda que com a sua resistência. Não por mim, que acabei a crescer com os valores certos e desenvolver todas as competências necessárias. Mas por ela, que para resistir ao trauma e o poupar às filhas, o perpetuou nela apenas.