A ordinária da vizinhança II
Se da primeira vez fiz de ordinária libidinosa, desta vez fiz de ordinária mal-criada.
Cheguei a casa perto da meia-noite, com sacos de compras (desinteressantes e necessárias) nos braços. Assim sendo, sabendo que o Moço estava em casa, toquei à campaínha em vez de mergulhar no universo infindável da minha mala para alcançar as chaves. Toquei umas quatro vezes, antes de ele atender e se fazer de engraçadinho.
- Quem é?
- Anda lá, abre a porta.
- Quem é?
- Oh! Vá, deixa-te de brincadeiras, Moço, que eu estou ao frio e carregada.
Já estava a ser um bocado àspera, com a hora do Vitinho a aproximar-se (a partir das nove da noite já não sou funcional) e eu ansiosa para largar tudo e descansar um pouco. Não estava bem para aturar aquela brincadeira.
- Não é o Moço.
Ouve-se do lado de lá. Teria tocado para o vizinho? Será que sim?! Porra! E o que faço eu, Maria, nesta ocasião em que toco inadvertidamente para a casa do vizinho a horas indecentes e vejo que me engano?
a) Peço desculpa.
b) Perco o pio.
c) Desato a rir.
Bingo. Desato a rir. De nervos, só pode. Não disse mais nada. Ele lá me abriu a porta e eu fui subindo as escadas, apercebendo-me, à medida que subia, de tudo o que tinha acabado de fazer. Fui entrando em choque gradual com o meu bonito engano e a minha ainda mais bonita reação.
Ainda demorei um bom par de horas para me livrar da sensação de "fui uma besta completa, que horror de pessoa, o vizinho deve ter-me rogado tantas pragas".
Não quis tocar-lhe à campainha para lamentar, incomodando outra vez a uma hora indecente, mas hei-de ter de lhe tocar à campainha em breve para pedir desculpas pela deplorável atitude, mais do que pelo engano. Não sei bem quando. Seria mais fácil se me cruzasse com ele nas escadas. Mas ultimamente não me tenho cruzado com ele. É que - para a estocada final - o vizinho tem estado muito doente.