Cinema Mudo
Calam-se as palavras porque naquele momento ela disse tudo. Tudo o que não podias ser dito.
Ele tira os braço que até aí lhe afagava a barriga e fica muito direito no sofá. A legenda diz “ele ficou chateado”.
Depois de longos minutos a repetir silêncios ele levanta-se e sai da sala. A legenda diz “ele vai-se deitar”. Eles vão sempre dormir juntos, mesmo que um não esteja cansada o suficiente, por isso a legenda que ela lê também diz “fiz merda”.
Demora menos de meio minuto a segui-lo, lavar os dentes e dirigir-se ao quarto. Mas ao chegar ele já está como se dormisse, tudo apagado. Excepto pelo enorme balão de pensamento por cima da cabeça dele que diz “agora não”.
Ela deita-se e abraça-se a ele como quem diz “não quero saber, és meu”. E ele mexe-se muito, o balão de pensamento não se apaga “agora não”.
Ela chora, em cada lágrima um “desculpa” e afasta-se.
A noite passa. O balão de pensamento desvanece-se enquanto ele adormece e ela de olhos muito abertos vê tudo a acontecer.
Num instante o telemóvel vibra, dizendo “acorda”. É para ele que fala. Levanta-se num pulo e na legenda lê-se que há pressa. Ela continua com os olhos muito abertos.
Ao fim de um tempo, ele vem vestido e cheiroso ao quarto escuro onde ela tem s olhos muito abertos e beija-lhe o vabelo. Na legenda lemos “ainda te amo”. E ela adormece finalmente, por um bocadinho. Afinal continua a ser um filme de amor.