CONTO DE NATAL
[Porque hoje entra Dezembro...]
O passo apressado não mente. Deixou alguma prenda de Natal para a última hora. Quais azevinhos, quais fitas douradas, quais farófias e bacalhau com todos. A missão é só uma: o presente perfeito. Só o motiva na busca a expressão de felicidade nos rostos de quem o recebe. A expectativa é elevada. Tem a fama de dar as melhores prendas, entre quem o conhece. Não tem mais dinheiro, tem mais gosto nas reacções. E por isso mais gosto na escolha.
Vai apressado, mas a bufar. A pensar na crítica que por esta altura saltita da boca de toda a gente: o consumismo desmesurado da data. Os mafiosos dos comerciantes que aumentam os preços. A azáfama nas ruas e corredores dos centros comerciais. A decoração iluminada das cidades, que esgota o orçamento da autarquia e depois não permite calcetar os passeios devidamente e erguer jardins e parques onde as crianças nem sequer podem brincar por ser perigoso – ou será porque os pais não querem dispor do seu tempo para as levar lá? Não compreende. Nunca compreendeu. As vozes de anúncio da desgraça e da tragédia causada sempre pelo outro e nunca pelo próprio. Sempre pelo eles abstracto, nunca por cada um de nós. Nunca compreendeu a crítica dura ás mesmas acções que depois praticam. O falso beatismo da sociedade, aplicado a tantas discussões diferentes
E continua. Toc, toc, toc, pela calçada – a mesma que precisa de obras da autarquia. Sabe onde se dirige. É ao único sítio que lhe pode valer àquela hora daquele dia. Os seus presentes vêm sempre daquela loja, onde o abrir da porta é anunciado pelo tilintar de um sino. A porta está sempre fechada, não vá a neve entrar sem pedir licença. Já falta pouco para chegar e ele puxa o barrete mais para baixo, afagando as orelhas. O frio cortante não lhe demove a vontade nem tira a pressa do seu andar. Os flocos de gelo caem. Não são macios como parecem nos filmes e nos postais. Não são algodão, nem açúcar ao toque. São ásperos e gelam-lhe a ponta do nariz. Ouve-se o sino. Entrou.
Olhou em volta por pouco tempo, detendo-se apenas no relógio onde o ponteiro pequeno se aproximava das doze. Depois viu-a logo. Era aquela. Estava onde a tinha deixado da última vez. Aquela era afinal a sua loja, e a sua oficina de trabalho também. Fez um embrulho cuidado, rematando com um laço volumoso. Tudo num par de minutos.
Trancou a porta atrás de si e iniciou o caminho inverso. Poucas pessoas se viam nas ruas. Das janelas podia espreitar-se um cenário aquecido pela lareira ou agitado por uma ou mais crianças. Algumas já tinham aberto as prendas e experimentavam-nas extasiados, para daí a uns minutos as voltarem a largar e não mais se lembrarem delas. A inconstância dos mais pequenos. Que não desaparece, só se transforma na inconstância dos maiores.
Chega finalmente ao seu destino. O sítio que sente como verdadeiro seu. Não as quatro paredes que são a sua casa, mas os braços da mulher que o recebe com a mesma ternura de há tantos anos.
Entrega-lhe o embrulho que ela desfaz tão cuidadosamente como ele o fez. E ainda dobra a fita do laço antes de lhe agradecer calorosamente e anunciar que a estrela dourada que ele mesmo fez - ela tem a certeza disto - é o presente perfeito. Vai coloca-lo de imediato na árvore decorada há tantos dias, mas ainda de topo vazio. E ele finalmente tira o barrete, o sobretudo vermelho pesado e as botas gastas. Tinha entregue o último dos milhares de presentes que já distribuíra naquela noite. Alisou a farta barba branca, olhando para a mulher que tentava equilibrar a estrela.
- A estrela não se segura na árvore! - repara a mulher com um sorriso divertido nos lábios, depois de duas ou três tentativas de a colocar no topo da árvore. Ele também se riu, embaraçado.
Também erra. É afinal um homem como os outros, sempre o soube. A diferença é que a ele chamam de Pai Natal. Mas quantos não o são afinal sempre que semeiam a mesma alegria, com a mesma vontade, junto de quem mais amam?