Da sede
Sempre que passava à tua casa parava. Vinha da escola, tinha caminhado um bocado já desde a paragem do autocarro e isso servia de desculpa. É que estava cheia de sede, reclamava eu. Davas-me água da torneira que sabias que eu odiava, mas tirava-la do jarro que tinhas enchido antes. E fingíamos. Tu fingias que era água do garrafão. Eu fingia que me deixava enganar e que aquilo não me sabia a cloro. Sentava-me no sofá grande, porque sabia bem que o pequeno era só teu, para te sentares a bordar com os cotovelos apoiados. Pedias-me novidades para ouvir sempre a mesma resposta - tudo normal. Nunca fui de falar muito, mas não me importava de ouvir. Então ficava ali um bocado enquanto me descrevias o que tinhas visto essa manhã na Praça da Alegria. E só depois é que eu retomava o passeio até casa.
No outro dia disseram-me que a Praça da Alegria tinha acabado. Tive pena, por essa parte dessas tardes que já não podemos repetir.
Mas o resto podemos.
Acho que tenho sede.