Des-photoshop
De manhã fui tratar de renovar o Cartão do Cidadão. Ainda falta mais de um mês (quase dois) para terminar a validade, mas eu sou tão vidrada na questão de me adiantar para não me atrasar, que não sei como não nasci antes do tempo. Saí cedinho de casa, para ter a certeza que não apanhava uma fila até ao Intendente (fui à Expo) e passava lá a manhã. Essa parte correu muito bem. O registo abre às 9h, às 9h15 estava a sair e a dirigir-me ao galão que me faltou ao acordar.
Agora, vamo'combinar? Aquelas máquinas de fotos do Cartão do Cidadão são feitas com software integrado de Des-Photoshop, certo?!
Tomei o meu banhinho ao acordar, sequei bem o cabelo para ficar direitinho, franja arrumada ao lado da testa, de um ruivo brilhante. Passei uns pózinhos na cara, porque de tão pálida que sou, não queria correr o risco de ter de voltar para trás porque não fazem BI a gente com ar de finada (ainda por cima tenho sempre as mãos frias, ninguém os ia convencer que corria vida em mim). Juro que ia com um ar decente, arranjado, pestaninhas salientes e tudo, corzinha ligeira nos lábios, muito natural. Estava pronta para uma foto de gatona para ficar para a posteridade.
Ao acabar as primeira formalidades, a senhora pede-me que passe para a frente da máquina que tira as fotos e olho-me de relance no reflexo do separador de plástico. Verifico. Está tudo bem, sua gostosa. Quase pisco o olho a mim própria.
Olhe para o quadradinho.
Nem sei quando aquilo dispara. A seguir a minha cara aparece gigante no ecrã. Os fios de cabelo esfiapados e levantados atrás, a franja num loop de montanha russa, ar de bezerra. Ainda me estou a repor do choque quando ela me manda pousar os indicadores para as impressões digitais - e eu num impulso quase dei os dedos médios à máquina. Sentei-me e voltei a olhar para mim no reflexo: parece normal. Aquelas máquinas estão, porque sei que estão, programadas para deixar a pessoa mais feia. Talvez tenham uma parceria com a Dove, e mostrem a beleza real (que está deveras sobrevalorizada). Lá vão mais uns anos com um documento oficial que se entrega com o polegar a esconder o quadradinho da foto onde estou com ar de presidiária que acabou de levar uma malha de porrada por não partilhar a escova de dentes.
Tenho é de pensar positivo: ao menos não vai ficar como o do meu pai...