Diário de um Caracol - Parte 10
26 de Julho de 2016
Querido Diário,
Tenho boas e más notícias a registar.
A má é que não conseguimos entrar no E se fosse consigo? A Conceição Lino diz que o nosso problema, enfim, de sermos devorados crus (custa-me dizer) não é algo com que a maioria das pessoas se identificasse. Também acrescentou que este assunto estava na moda o ano passado e este ano são ataques terroristas, por isso não temos hipótese nenhuma, a não ser que o meu pai acenda um fósforo atado à casca e corra por aí a aleijar pessoas. Ele nem sabe correr, quando chegasse ao primeiro humano já o fósforo estava apagado. Nem conseguimos contra-argumentar porque ela estava a olhar para nós com uns olhos (era hora de almoço) que não nos deixou seguros.
Depois de uma fase muito difícil em que os portugueses andavam todos à caça de caracóis para juntar em pirezinhos de cadáveres (uma visão assustadora) e tragar enquanto olhavam para uma televisão com homens a correr num relvado, as coisas inesperadamente acalmaram. Qualquer coisa a ver com futebol, diz o Felismino. Para mim continua a ser um ritual satânico. Certo é que o Felismino foi pai e chamou Éder ao filhinho por causa disso. Disse "ele sempre me fez lembrar um caracol, mesmo".
Agora até conseguimos sair à rua entre os humanos e ninguém nos liga. Em vez de terem sacos, empunham o telemóvel. Quando gritam "está ali um" assustamo-nos sempre um bocadinho a pensar que é para nós. Mas na verdade apontam para o vazio e tiram fotos. Ainda não percebi para o que é bom aquele exercício, mas eles estão sempre a repetir isso: Pró Qu'é bom! Acho que é isso, pelo menos...
Uma ranhoca,
Martim
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