Diário de um Caracol - Parte 2
12 de Junho de 2015
Querido Diário,
O primo César, a quem todos continuam a chamar Salvador - agora mais do que nunca - suicidou-se. A pressão mediática de ter participado na campanha "Gostava de ser cozido vivo" foi demais para ele. Também começaram a acusá-lo de colaboração com humanos e houve mesmo quem o ameaçasse. Estamos todos de luto: esfregámos as cascas num pedaço de carvão e assim andamos há dias. O pai e a mãe dizem que isto ainda torna a nossa situação atual pior, pois chamamos mais a atenção dos humanos que continuam aí a apanhar-nos nos terrenos. Em relação ao ano passado, a maior mudança que notamos é que agora não trazem sacos de plástico, por algum motivo. Apanham-nos só para as próprias mãos, o que torna a sua capacidade de transporte mais limitada e nos dá tempo para fugir entre uma remessa e outra. O Felismino das ervas altas jura que nunca se tinha arrastado tão depressa tal foi a iminência da sua cozedura.
Uma ranhoca,
Martim
20 de Junho de 2015
Querido Diário,
Depois de quase ter sido apanhado, o Felismino começou a engendrar um plano de sobrevivência para nós. Parece que conseguiu roer umas folhas de um livro com a história de uma tal Anne Frank e diz que nos vai arranjar um sítio para nos escondermos dos alemães. Sim, depois de ele ter lido o livro e ter relatado a história e a solução do alto da pedra do quintal, a maior parte de nós começou a chamar Alemães às pessoas e fala em genocídio - a professora não me quer explicar o que é, mas tenho ideia que ela não sabe, porque nunca roeu o livro que o Felismino apanhou.
Uma ranhoca,
Martim