Diário de um Caracol - Parte 8
27 de Outubro de 2015
Querido Diário,
O plano de fuga para o deserto, a que o pai chama de Margem Sul, foi cancelado. Aparentemente o meio mais seguro de viajarmos até lá sem sermos pisoteados é num braco grande a que chamam cacilheiro. Mas o Felismino - eita caracol bem informado - diz que nem vale a pena que estão sempre em greve e íamos demorar mais tempo a ir nesses barcos do que a aprender a nadar e atravessar o Tejo assim. Estamos meio desiludidos mas arranjamos uma cantilena para nos animar, e voltamos para trás a entoar a rima "Soflusa, até o caracol recusa".
Uma ranhoca,
Martim
1 de Novembro de 2015
Querido Diário,
Ontem apanhámos o susto das nossas vidas. Íamos a passar por uma pequena comunidade quando começamos a ver uns seres estranhos a correr de um lado para o outro às escuras. Eram afinal mini-humanos mascarados que gritavam às pessoaspara lhes darem doces. Ficámos em pânico porque a mãe pensou que os tinha ouvido a pedir "doses" e podia ser de caracóis. Começamos a correr (a quem é que eu estou a enganar? começamos a deslizar menos lentamente) em todas as direções. Perdemo-nos uns dos outros e só esta manhã conseguimos voltar a reunir-nos. A última a ser encontrada foi a Miriam, que se escondeu numa abobora aparentemente vazia mas ficou presa pela cera de uma vela que estava a queimar lá dentro.
Uma ranhoca,
Martim
4 de Novembro 2015
Querido Diário,
Custa-me a acreditar que estou a escrever isto. Voltamos a estar recolhidos nos esconderijos. Apesar da maior parte dos humanos não constituirem risco para nós nesta altura do ano, parece que anda uma ameaça à solta. Uma espécie de fera. Um gato fugido. Um gato muito lourinho. Um tal de Benny.
Uma ranhoca,
Martim
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