Era só para te dizer...
[Quando a separação segue o exemplo do amor e se instala sem aviso.]
Gostei de ti igual todos os dias. Pintei os lábios para ti todos os dias. Fiz-te rir todos os dias. Fui contigo a todo lado.
E mesmo assim foste embora.
Li um livro de cada vez que mo aconselhaste. Vi contigo as séries classificadas acima de 8 no IMDB. Apreciei os álbuns antigos do teu pai. Não pus um cobertor a mais na cama porque tens sempre muito calor. Cozinhei os teus pratos favoritos e provei os que cozinhaste tu, com um sorriso, mesmo quando ficavam salgados.
E mesmo assim foste embora.
Fomos amantes. Amigos. Companheiros. Família.
E mesmo assim foste embora.
Nada mudou e, no entanto, algo mudou. Tu sabias e não me disseste. Continuaste a conversar comigo com a mesma cadência sobre as coisas corriqueiras. Continuaste a fazer-me rir. A ter-me por companhia para ver o filme do momento. A querer-me na tua cama.
Até ao dia em que, mesmo assim, foste embora.
Se eu não tivesse gostado tanto de ti, pintado os lábios para ti, rido contigo, passeado contigo, lido o que tu aconselhaste, visto as mesmas séries, ouvido os mesmos álbuns, se tivesse acrescentado o cobertor na cama, se não tivesse partilhado a cozinha contigo, sido tua amante, amiga, companheira, mulher...tinhas ido embora na mesma.
Porque o problema não estava em mim, estava em nós. O Rui Veloso estava enganado. Um dia serás feliz com alguém que nem sequer oiça a mesma canção. O Rui Veloso estava enganado. E eu vou pintar os lábios para outra pessoa: para mim.