Felizes para sempre
O vestido não era aquele. Era o primeiro. Ela sabia que era o primeiro que tinha experimentado.
A mãe disse-lhe que tinha demasiada roda, a sua melhor amiga de sempre disse que o corpete estava muito justo. Mas era com aquele vestido que nem sequer lhe assentava assim tão bem que ela sentia que podia ser feliz no dia marcado. Caminhar até ao altar com olhos de juízo sobre ela. Arrastar a cauda por entre as mesas dos convidados. Dançar até cair.
Pediu ajuda para desapertar o vestido de cauda de sereia que envergava agora. O que era como uma luva no seu corpo, mas ela não sentia seu. O tom deste vestido era quase cinzento. Uma sombra.Sem mais sombras.
- Filha, vamos embora?
Que disparate, o vestido ainda não estava escolhido. Pois se não a deixavam levar o primeiro e nenhum dos outros lhe agradava, a tarde ainda não estava feita. Teimosa que era.
Mas ele sempre gostou disso. Queria aliás casar-se com aquela casmurra, que não escondia que o era. Ficou apresentada logo no primeiro jantar. Rejeitou as tentativas dele que a queria levar a um restaurante panorâmico junto ao castelo. Tão cliché! Insistiu na pizzaria do bairro onde acabaram a comer mal e a pagar bem. E ela mastigava cada bocado de mozzarella quase crua com fingida satisfação - eu gosto assim! dizia ela. Não gostava, claro. Riram-se disso mais tarde. Riram-se disso a cada ano naquela data. No ano seguinte, no restaurante panorâmico a que ele queria tê-la levado. Dois anos depois, a brindar à casa que tinham acabado de comprar. No outro a seguir, já meses depois de descobrirem a doença que o estava a comer, mas com acompanhamento de sorrisos esperançosos - ele careca, ela com o cabelo mais curto que alguma vez tinha usado. E no ano anterior, com um pedido de casamento a acompanhar - o anel na taça de champanhe. O primeiro cliché que a fez assim tão feliz.
A senhora da loja, paciente, trouxe mais alguns vestidos, parecidos com o primeiro que ela tinha adorado. Não sugeriu fazer arranjos no primeiro, mas continuou a trazer-lhe vestidos com saia volumosa.
A mãe e a amiga, sentadas. Não tão pacientes. A perguntar-lhe se não chegava já.
Ela, de sorriso aberto, a rodar a aliança no dedo, entusiasmada com a descoberta de cada tecido, renda, corte.
- E os véus? Posso experimentar com este vestido? Quero ver como fica de véu e grinalda.
O Luís dizia-lhe todos os dias como a queria ver de véu e grinalda. Mais uma expressão cliché.
Ele era tão cheio de clichés e ela amava-o tanto. Não se imaginava a passar a vida com ninguém mais, por mais original, diferente, excêntrico que fosse. Ele passava-lhe os lábios ao de leve na face e perguntava num sussurro "quando é que te vejo de véu e grinalda?".
Os planos para o casamento iam ficando para trás, à medida que era a doença que avançava.
Não fazia mal. Enfrentariam tudo. Venceriam tudo. Seriam felizes para sempre.
Mesmo agora que ele já não estava, ela sentia que o amor deles tinha sido para sempre. Naquela mão cheia de anos tinham sido felizes para sempre.
Não mudaria nada. Nem aquele primeiro jantar intragável. Nem aquela visita à loja de vestidos, já fora de tempo. Ele queria vê-la de véu e grinalda. E ela sabia que ele estava a olhar.