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Maria das Palavras

A blogger menos in do pedaço, a destruir mitos urbanos desde 1986. Prazer.

09
Abr15

O Assassino de Segredos

Maria das Palavras

Segredo - Imagem jenkelchner.com

Suava das mãos na imagem menos bonita que possam imaginar. Estava nervosa porque ia perder alguma coisa: o segredo que andava a guardar. Escreveu-o numa carta de si para si. Queria lembrar-se mais tarde do que sentia enquanto o segredo era só dela. E daí talvez nunca o relesse. Mas ja tinha uma bigorna em cima do peito, com todo o peso com que parecem cair nos desenhos animados. Estava na hora de matar aquele segredo. De o perder para sempre. De deixar de o chamar assim.

 

Two can keep a secret if one of them is dead. A música repetia-se incessantemente na sua cabeça enquanto esperava a hora do encontro com o assassino do seu segredo. 
O medo estava a tomar conta do seu corpo. Tomou um chá trémulo e saiu. 
Era primavera e o sol já tinha decidido não se esconder mais. A dona Rosalina, com a neta gorduchinha pela mão, dirigiu-lhe um aceno, como quem diz boa tarde. O senhor Júlio do mini-mercado - o que nunca a deixava sair de lá com um queijo sem lhe ensinar a parti-lo uma e outra vez ("tem de ir ao centro, a menina"), com a seriedade de quem ensina equações -  fumava à porta, cofiando o bigode. Os carros passavam, sempre mais depressa do que deviam. Que falta de respeito, o mundo não parar enquanto ela vivia com aquele segredo. Que desplante o da dona Rosalina a passear com a neta, o Sr.Júlio a fumar descontraidamente, o sol a brilhar, os carros sem travar. Que desplante seguirem todos com a vida e ela sem saber o que fazer, a querer pressionar o botão da pausa a todo o custo.

 

Caminhou até ao banco de jardim do costume. Aquele em que se sentava com ele, já em criança, quando trocavam desenhos, as bicicletas encostadas à árvore a tentar não cair.  O assassino do seu segredo seria o menino-já-homem com quem tinha trocado o primeiro beijo. E o último.


Foi um erro. Encontraram-se por acaso: voltei a morar aqui, disse ele. Estava na antiga casa dos pais, agora restaurada. E ela estava numa ao pé, da dele e da dos pais. Na rua que era de todos, do outro lado do jardim onde estava o banco deles.
Trocaram simpatias. Trocaram novidades. Trocaram o primeiro beijo sem as bochechas quentes de terem corrido pelo parque nos minutos anteriores. Trocaram-se. Foi um erro.

O coração dela era uma lebre irrequieta: pulava-lhe do estômago à garganta. Viu-o chegar. Não o deixou falar e fez morrer logo ali o segredo. Pegou-lhe na mão: estou grávida.
E ele esboçou um sorriso desorientado. Abraçou-a para sempre. Foi só uma noite depois de uma vida e foi uma noite que valeu uma vida.


E o coração dela passou de lebre a tartaruga. Acalmou-se, voltou ao compasso normal. O segredo estava morto. 



[Obrigada Homem Certo por me teres posto a pensar nisto dos segredos que se perdem.]

 

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