O dito por não dito
O problema das coisas que se dizem é que uma vez ditas não as podemos desdizer. Já estão cá fora, desprenderam-se da língua e não há como sugá-las para dentro.
E consoante o impacto que tiveram podem durar muito tempo. Podem durar para sempre. Mesmo que depois se desminta o dito. O mal está feito. As palavras tiveram o seu efeito e a memória da sensação que provocaram cola-se a quem as recebe. As palavras são de velcro.
Às vezes oiço uma coisa que é logo a seguir trocada por outra e depois só me lembro da primeira – a que era falsa e foi dita por engano. Vai até este ponto o impacto das palavras ditas, mesmo desmentidas.
Para um exemplo prático e marcante enunciemos algo como uma mulher dizer ao seu companheiro, na violência de uma discussão: “és péssimo na cama”. E pode nunca o ter achado e dizê-lo só porque sabe que fere e naquele momento quer ferir. Mas as palavras foram pronunciadas e a partir de agora vão sempre para a cama com eles.