O fenómeno "Estavas de seda, calada"
Há pessoas que gostam de falar e partilhar. À primeira vista, parece que é para o bem de quem ouve, mas é mesmo só para auto-expiação dos seus demónios. Só assim entendo que estívessemos sorridentes a conversar no calor da rua, na tal despedida de solteira que vos mencionei - a noiva indisfarçada com um véu improvisado na cabeça - e que uma senhora com idade para ter juízo tenha começado assim o seu discurso:
Vais casar? Que giroooooo! (O tratamento por tu, de quem andou na costura em conjunto com a minha amiga. O tom adolescente, de quem anda à procura de recuperar anos para sempre perdidos. Mas sobretudo a condescendência na voz, como quem finge entusiasmo para poder a seguir dizer o que realmente queria. E continua..) Estava aqui a ver-vos e pensei: só pode ser uma despedida de solteira! (Uau, que perspicaz. Viu tule na cabeça de alguém e percebeu logo que não era uma terça-feira como as outras!) Olha, fiquei mesmo encantada! (Mais um bafo no cigarro - o que explica a pele mais velha que a ladaínha - e começa a desenrolar a sua história.) Sabes? Também fiz aqui a minha despedida de solteira há muitos anos atrás! (Quase parece que era um voto de felicidade com saudosismo à mistura. Wait for it...) Claro que não durou! Não sabia o que fazia, era muito nova. (Eu, mentalmente, a ver a "minha noiva" a fazer uma vénia de agradecimento. Não passava bem sem esse pedaço de informação, pois não?) Queria ir viver com o meu namorado da altura e se não casasse não podia, por isso avançámos. Correu mal. E a despedida de solteira foi aqui, tal e qual como a tua! (Já não sabia como lhe agradecer a comparação, mas uma traulitada na cabeça começou a parecer-me apropriado.)
A noiva sorriu e ela desejou muita felicidade, toda a que houvesse no mundo. E pronto, lá nos deixou em paz, já tinha dito o que queria. Quase parecia um episódio de simpatia e talvez ninguém tenha levado a mal, senão eu, que sou cínica.
Não sou apologista convicta do casamento, mas acredito no amor de uns e nas más intenções de outros. Claramente, o que faltava à senhora da primeira, sobrava-lhe na última.