O síndrome do Apita o Comboio
É um momento que me eriça os pelos do nariz...o apita o comboio. Começam os primeiros acordes, um desgraçado lembra-se que sempre quis ser maquinista e os outros seguem a todo o vapor. Uns atrás dos outros a fazer oitos no salão e com braços de gancho para agarrarem as carruagens soltas: não é permitido ficar de fora. Eu fico, claro.
Nas festas, como na vida, odeio o movimento aglomerado das alminhas na mesma direção. Todos para a esquerda. Todos para a direita. Agora batam palmas. Agora comam sementes. Agora vamos correr. Este ano usam-se as franjas: usa franjas.
E depois há aqueles eventos na vida, que numa mesma geração se vão dando ao mesmo tempo: os meus amigos próximos (que são de idade próxima) agora vão morar juntos. Agora vão casar. Agora vão ter filhos. Agora vão comprar casa. Agora estamos todos a juntar um PPR.
E eu, que bem calhando, até podia querer alguma dessas coisas, já não quero. Tenho alergia a ser só mais uma no meio dos outros todos que fazem mais ou menos a mesma coisa, mais ou menos na mesma altura. Certamente que é um fenómeno estúpido - o que me assola, não o dos outros. Ninguém vai deixar de (por exemplo) casar quando pode e quer, porque nessa levada de anos já se casaram outros dez.
Este é o ano dos 30. Já vos disse que faço trinta anos este ano? O Moço também (seis dias antes). E 58 outros amigos nossos também - 76 se contarmos com os que já foram fazendo desde meados do ano anterior e os que farão um pouco depois em 2017. E é aquela data em que parece que é preciso fazer alguma coisa de especial, porque é redondinha. É preciso preparar surpresas (para os outros) e atividades (para nós), juntar mais gente, estar entusiasmadíssimo, lançar foguetes e ter esculturas de gelo.
E se não me apetecer? E se além da já pouca vontade de festejar os meus 30 - só porque não ando a acalentar espírito para isso, não é por achar que estou a ficar velha, que toda a gente me dá 18 quando olha para mim - isto de (quase) toda a gente fazer 30 (quase) ao mesmo tempo e se fazerem festejos especiais de enfiada, me tira ainda mais a vontade de entrar neste Apita o Comboio? Este pensamento tem qualquer coisa de egoísta, que eu sei: se não posso ser especial, também não quero.
Mas se me é permitido um desejo - já que será o meu aniversário - que seja esse: quero ser egoísta.
Agora rezem comigo para que o Moço esteja no mesmo comprimento de onda e não espere que eu lhe organize um luau surpresa com convidados dos cinco continentes. É que não estou mesmo p'raí virada, caramba.