Palavras dos outros #2
Segunda vez que uso a rubrica com o mesmo autor. Que culpa tenho que o filho-da-mãe seja tão bom.
isto nunca fica fora do prazo,
desatas a dizer e a rir,
a tua cara é uma biblia de como me fazer feliz, tens pelo menos cinco mil diferentes,
caras e maneiras de me fazer feliz, bem visto,
isto nunca fica fora do prazo,
repetes, mais uma cara nova, um dia gravo-as todas e amo-as uma a uma ao longo de vários dias seguidos,
e isto é o teu corpo,
desconcertas com a mesma facilidade com que excitas,
é nada mais do que isso o alicerce da alegria da nossa casa,
os nossos gatos também interessam,
um deles chama-se saramago e não escreve nada, não faz ideia do que é uma vírgula,
e são incontáveis os poemas que já nos deu,
fica sempre bem um texto com gatinhos, quem resiste a algo assim?,
o outro é o chomsky, não é um esquerdista, não percebe nada de política, nem de sindicatos, nem de revoluções,
mas passa a vida a reinvindicar,
comida, que mais?,
pesa mais uns seis ou sete quilos do que aquilo que devia pesar e continua a merecer um prémio de beleza, o sacana,
já posso falar de ti outra vez, posso?,
cá vai,
falávamos de sexo quando me disseste que isto nunca fica fora de prazo,
e não,
tens razão, como sempre,
em mais de cem apostas ganhei-te duas ou três, não é mau, pois não?,
falamos muito de sexo,
a maioria das vezes para brincar, a outra maioria para fazer,
dificilmente nos deixamos perder em conversas que o apaguem no interior do lume,
arde cada vez mais em mim, em ti também, certo?,
dizes coisas como essas e desarmas-me, eu derreto-me a rir,
tens tanta piada,
ou sou eu que te amo demais,
antes fosse, assim só eu é que te achava piada, que descanso,
no hotel a brincadeira acaba,
e começa de novo,
o grande sexo é o que acaba com uma brincadeira e começa outra,
quero-te agarrar como imaginei nos meus sonhos,
ainda é contigo que sonho todos os sonhos eróticos que tenho para sonhar, isso é bom, certo?,
as pernas na vida real são maiores ou mais pequenas, as minhas ou as tuas,
são reguláveis, é o bem que têm as pernas,
e são,
em poucos segundos estamos prontos a brincar,
amo-te agora também pelas pernas,
sempre gostei delas, na verdade,
quando te vi pela primeira vez amei-te logo pela primeira vez,
mas não te preocupes que eu não digo a ninguém, muito menos a ti,
fica sempre a ser um segredo que dizemos um ao outro para guardarmos um do outro,
amar é guardar com o outro o segredo que partilhamos com ele,
quem não entende isto não entende nada,
nem mesmo o vento humilde das nossas respirações sem destino,
ainda bem que só elas não sabem para onde vão,
o resto sabe,
chamam-lhe no mundo dos humanos orgasmo,
nós chamamos-lhe muitos nomes, tantos que não me lembro de nenhum,
de certeza que alguns são ordinários, eu adoro, desculpa, quando puderes gritas um ou outro só para me fazeres a vontade?,
amanhã quando acordar digo-te, combinado?,
agora quero ficar quieto a ver-te ficar quieta, os lençóis sabem que a felicidade molha,
e tinhas razão,
mais uma vez, até chateia, chiça,
isto nunca fica fora do prazo,
e chega sempre à hora certa,
esta frase agora é minha,
é boa, é?,
o melhor de nós é fazermos a juventude voltar,
neste momento tenho uns vinte anos, vinte e dois, no máximo,
que maravilha,
queres aproveitar, miúda?
#112 Pedro Chagas Freitas, in Diário de um Humano