Pedidos simples
Encolhi-me mais no sofá a agarrar os joelhos junto ao peito. Ele a gritar comigo em resposta à minha tristeza. Que não sabia o que queria, que exigia muito dele, que ele não adivinha.
Mata-se a trabalhar pela família. Oiço-o dizer isto muitas vezes. E não tem um agradecimento em troca.
Há três anos decidimos que seria melhor assim, quando nasceu o Miguel. Eu dedicar-me-ia a tempo inteiro aos nossos filhos e à casa. Os avós estavam longe, não podiam ajudar. O dinheiro para a creche dos dois seria mais dispendioso do que eu recebia de ordenado, num emprego que era um beco escuro de desapontamentos. Foi uma decisão comum, por toda a família. Que me custou parte da independência e quase todas as aspirações.
Ele esqueceu-se disso: que foi uma decisão comum, por toda a família. Eu nunca cobrei a minha parte. Ele cobrava-me muitas vezes o sacrifício dele.
Nesse dia, a Teresinha e o Miguel já dormiam. Eu, que me sabia essencialmente feliz, tinha algumas frustrações guardadas no peito. Era um daqueles dias em que só conseguimos ver nevoeiro. Eu estava só com ele, a ver um filme qualquer no sofá. O meu companheiro de sempre e para sempre. Sentia-me segura. Abandonei-me a ele e comecei a chorar devagarinho.
Levantou-se a um tempo, como se a minha mágoa fosse chuva ácida. Sem que o atacasse, começou a defender-se a perguntar-me o que queria eu.
Balbuciei um "Precisava que..." mas algures entre os soluços e a reação dele perdi a habilidade de juntar letras e proferir sons.
Mais uma vez não sabia o que eu queria. Queria que desembuchasse. Tremi com aquela palavra feia.
"Pede-me o que quiseres, mas não me faças isto", atirava ele. Ao fim de tantos anos, aquela era a única coisa que ele ainda não tinha aprendido sobre mim. Perguntou-me sem tréguas, minutos a fio, o que eu queria e, sem outra resposta da minha parte que não o silêncio de olhos baixos, desistiu.
Eu sozinha, quieta, chorosa, desesperada pelo seu amor. Ele inflamado, distante, frenético, deseperado porque me ama.
"Não sei o que queres", repetiu saindo da sala.
Queria um abraço, sem ter de o pedir.