Quantos dias vale uma morte?
Dizem-me que se morrer um dos pais são cinco dias de licença e para "familiares de segundo grau" são dois.
Na lei não está previsto que o avô seja em boa verdade o que se pode chamar de pai ou que a tia tenha criado como mãe. Que os pais tenham tido o papel de dois primos afastados. Ou, ao contrário, que cinco dias não cheguem nem para atar as primeiras pontas de dor, quanto mais a logística dos dias que não param.
A lei deixa-me parar cinco dias por morte de um sogro, mas manda-me enxugar as lágrimas num par de dias se ficar sem irmã. A lei diz que morrer um filho ou uma nora é igual. Diz-me que se morrer um tio ou um sobrinho não preciso de dia nenhum para me refazer do choque. A lei é cega a afetos. Divide o primeiro grau do segundo com a lucidez de uma equação e diz-me que "se x maior que y" o resultado é nulo.
A lei não pode saber se o meu luto se faz de um preto sossegado e inerte, ou se preciso fingir depressa que não se passou nada e voltar à cadência normal dos dias.
A lei generaliza porque tem de generalizar. A nós morrem-nos anos que temos de curar em horas contadas.