Ser "a outra" na dieta.
O Moço vive em dieta desde que o conheci. Aliás, fez uma reeducação alimentar, que mesmo passados 5 anos continua a ser um work in progress, como são todas as coisas muito difíceis, mas muito benéficas, na vida. Ser a "outra pessoa" para a dieta de alguém é um cargo importante, mesmo sem ser a pessoa que faz os grandes sacrifícios.
É indiscutivelmente bom para mim que ele esteja neste percurso da saúde e do exercício (apesar de na parte do exercício ainda não ter conseguido influenciar-me). Para já, ele está a fazer os possíveis para ser mais saudável - não diminui o risco de se deixar ficar debaixo de um carro numa passadeira, mas diminui o risco de uma série de outras doenças de quem não trata tão bem de si. E dá sempre jeito que a pessoa que amamos esteja a fazer tudo para apostar na longevidade ao nosso lado. Depois, tenho muita comida saudável em casa, aprendi de cor todas as regras da alimentação correta e tornei-me especialista em cozinhar de forma a substituir tudo o que faz mal por tudo o que faz bem. Sim, mesmo tendo em conta que hoje não há nada que unanimemente faça bem (nem o oxigénio).
Como pessoa que nunca teve de controlar o peso (euzinha) para estar abaixo do IMC (agora menos, porque me pesam os trinta) tenho a certeza que isto de deixar de lado o hábito de comer gelados todas as noites e biscoitos como se fossem tremoços (ou Futebolas como se fossem biscoitos) só me faz bem e contribui para que as minhas últimas análises estivessem cinco estrelas. É que às vezes a falta de saúde provocada por maus hábitos alimentares não se vê, mas começa a comer-nos por dentro. Verdade que não deixei de comer nada do que me desperta a gula (com exceção dos 66 dias do desafio "sem porcarias"), mas faço-o com muito menos frequência.
Mas pondo por um minuto de lado todas as coisas boas deste exercício dele, que acaba por ser um exercício dos dois, há umas quantas particularidades chatas que só "as outras da dieta" entendem (algumas particularmente quando "a outra" é o membro feminino do casal). Passo a enumerar:
1. Passas a ser a má da fita.
Creio que as pessoas (amigos, colegas, familiares) não se apercebem da dificuldade que é uma pessoa manter-se no caminho definido ou de quantas exceções podemos abrir se entrarmos nesse ciclo vicioso. Comentários como "é só hoje" para fazer a pessoa comer algo que não deve de facto NÃO AJUDAM. Não imaginam que o "é só hoje" é dito por muita gente, quase todos os dias. Não se apercebem que o "é só hoje" é a luta interior que a pessoa em dieta tem a todas as refeições, mesmo quando ninguém o diz. Dobram o nível de dificuldade com essas três palavrinhas simples. E quando a insistência face à nega (de quem queria mesmo abrir a exceção, mas sabe que não pode ser) é demasiada, eu ("a outra") intervenho e com o nível de agressividade que achar por bem, para cortar de vez com a insistência. Ele abrirá as exceções que quiser, quando achar por bem, com ou sem prejuízo do percurso a trilhar. Mas não por pressão de terceiros.
Outro fenómeno engraçado é quando me perguntam a mim (à frente dele) se ele pode comer. Como quem diz que eu sou a mãezinha, a que não deixa. Como quem diz que eu estou a oprimi-lo, quando no fundo só o quero ajudar a manter a decisão que ele próprio definiu para si - e bem antes de me conhecer.
2. Põem em causa a tua integridade moral.
Quando conheci o Moço ele já estava bastante em forma, comparando com os anos anteriores onde claramente precisava de mudar algo. Verdade seja dita, eu já me tinha cruzado com ele antes (temos o tal amigo em comum). Mas nunca tínhamos falado decentemente ou achado graça um ao outro. Reparem: um ao outro. Ele também nunca me tinha ligado nenhuma e o meu corpo não mudou entretanto. Se o excesso de peso anterior dele limitava alguma abordagem da minha parte? Não serei hipócrita ao ponto de dizer que as primeiras impressões não contam, mas antes de o conhecer já me tinha apaixonado por gente feia (feia mesmo, coisa que o Moço nunca foi, independentemente do peso que tinha antes). Por isso tenho a certeza que se o tivesse conhecido melhor antes, com aquela lábia, aquela carinha laroca e tempo suficiente, o peso não teria feito diferença. Embora saiba que, pelo bem dele e não para regozijo meu, o ia tentar ajudar a mudar alguns hábitos. Se me perguntarem se o facto de ele estar a fazer o melhor por si, a custo de muito sacrifício, me fez admirá-lo muito? Eu respondo já que sim, claro. E que ele ter a força de vontade para isso, é mais uma razão para lhe querer tão bem e faz parte do sentimento que tenho por ele. Mas o meu amor não se mede pelo número no visor da balança.
3. Escolhas limitadas.
O mundo não é um sítio saudável. Não é. Se repararem, são raros os restaurantes que servem carne branca, só a título de exemplo. Mesmo os de grelhados. Em muitos sítios a batata frita só se pode trocar por salada pagando um extra. Na maior parte dos restaurantes típicos portugueses só o polvo à lagareiro (que mesmo assim é regadíssimo de azeite) ou o bacalhau assado cumprem os requisitos de algumas fases da dieta. E não é sempre. Se falarmos em lanches...a desgraça. É café e bolo ou sumo e tosta. Pouquiíssimos sítios têm snacks saudáveis. De maneira que mesmo sendo pessoas que apreciam muito um jantarzinho fora ou um lanchinho na cidade, a escolha torna-se bastante limitada. Claro que ele alinha pefeitamente em ir a um italiano e comer uma salada para eu comer uma pizza - às vezes acontece, sobretudo se combinarmos com mais gente. Mas eu acho sempre injusto fazer-lhe isso.
4. O preconceito da miúda-maluca-da-alface.
E se vamos a um restaurante e pedimos dois bitoques: um com tudo, outro com salada em vez de arroz e batata? Se pedimos uma Cola e uma água? Claro que a alface e a água são para mim, assumem sem perguntarem, porque as mulheres é que são malucas das dietas e os homens só são homens se comerem pernil de frango com batata e palitarem os dentes com os ossos. Calha que o Moço até sempre adorou salada, mesmo antes de se impor esta correção alimentar onde os vegetais predominam. Portanto, obviamente, sempre foi um pouco "menina".
Posto isto, está claro que não sendo fácil para mim, compreendo que é tudo mais difícil para ele. E portanto não me importo de fazer o meu papel de "outra", de "má", de "fútil", mesmo sem ter literalmente as costas largas. Parece que os seus melhores amigos gostam do impacto positivo que tenho nele - e ele também. Por isso o resto da população bem pode bradar aos céus que eu não arredo pé.
Por aí, quem está de dieta? E quem acompanha alguém neste desafio difícil que é o de se manter saudável, porque a natureza é ingrata? Partilhem as vossas experiências que eu estou cá para vos ler também.