Sobre o amor menos válido
Tenho para mim que o amor que nos gera os filhos - e não só o amor pelos filhos - é uma coisa assim descabida e que nos dá e tira vida.
Tenho para mim que o amor de alma gémea, aquele que nos liga à pessoa que contamos que agarre a nossa mão até ao último suspiro, é tão grave (muito embora diferente) como o que nos liga aos filhos.
Tenho para mim que esse amor que está ao nosso lado, que nos faz querer os tais filhos, criá-los e vê-los abandonar o ninho e depois vê-los de longe, pode não ser menos válido ou intenso, que o que temos aos seres que criámos. Que é diferente, porque nos podemos desligar desse amor, como nunca nos desligaremos de um filho que tem a nossa raiz nos pés. Mas que é, por seu lado, incondicional, porque não há nada biológico que nos diga para amar aquela pessoa. E a incondicionalidade de amar quem no princípio não nos é nada, é tão bonita quanto amar alguém a quem demos o princípio.
Por isso não compreendi quando ouvi isto:
Tinha 84 anos e morreu-lhe a mulher. Está num desgosto...Parece que foi uma filha que lhe morreu!
E a mim parece-me estranho que isto seja estranho. Porque não pode o sofrimento dele pela falta da companheira dos seus dias todos, ser assim tão vincado? Perder a filha teria invertido a ordem natural das coisas. Perder a mulher foi perder quem lhe deu a filha e lhe daria a mão no resto dos seus dias.
Ou então estou a ver mal a vida.
Não tenho filhos, por isso tenho apenas teorias.
E, quem sabe, a vossa opinião...