Quando um dos amigos que deixámos em Lisboa...
...diz que veio ler o blog para matar saudades nossas.
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...diz que veio ler o blog para matar saudades nossas.
Após estudos levados a cabo durante anos, com diversos grupos de teste, posso partilhar convosco o segredo que leva a que não vejamos determinado conjunto de amigos de ano a ano (ou ainda mais espaçadamente). O problema é quase sempre as agendas apertadas ou pseudo-apertadas. À medida que avançam os compromissos profissionais, sentimentais e outros que tais a disponibilidade desce e os amigos ficam na base da pirâmide de Maslow - afinal, online ou via telemóvel dá-se sempre um jeitinho, não é?
Vão reconhecer esta conversa num grupo de Whatssup perto de vós:
- Então pessoal que data dá jeito?
- Epá, esta semana estou super ocupada.
- No fim de semana tenho de levar o puto a ver os avós.
- Este mês ando cheio de trabalho.
- E se for a 12 do mês que vem?
- A 12 faz anos a minha prima.
- Por acaso já tenho um jantar nesse dia.
- Epá, com essa antecedência, não consigo, e se for amanhã?
- Já disse que esta semana não posso.Próxima segunda?
- Pode ser antes terça? Às segundas tenho yoga.
Este é o segredo: marcar a data e anunciá-la. Quem vai, vai. Quem não vai, fica para a próxima. Ponto.
Os que são só pseudo-ocupados dão um jeito e vão e os que estão mesmo ocupados às vezes vão , outras ficam. Mas não se espera pela data perfeita (tal como não se espera pelo homem perfeito) sob pena de deixarem de reconhecer os cheiros uns dos outros (as caras sempre vão vendo no Instagram).
Às vezes, milagrosamente, juro que até vão aparecer todos, mesmo aqueles para quem a data não dava jeito.
Aquele que ofende, protesta, goza, suspira e desespera, mas nem por um minuto hesita, quando o outro precisa de ajuda a travar a inundação que um cano rebentado provocou lá em casa.
Na vida, há quem passe e há quem fique. Tem pouco a ver com tempo ou geografia. Tem pouco a ver com ADN partilhado. Tem tudo a ver com identificação. Momentos criados, alegrias comuns, dores divididas, gargalhadas em crescendo, objetivo paralelos (mesmo que não se cruzem), feitios que combinam (mesmo que não se pareçam).
São as pessoas com que conversamos tão bem que nem faz mal que se façam longos silêncios. Pessoas onde temos sempre o nosso lugar bem marcado, como na almofada meio afundada do sofá de casa que nos conhece a forma. Pessoas parece-que-estivemos-juntas-ontem, mesmo que tenham passado meses sem trocar uma palavra.
Pessoas nossas, de pertença mútua, sem contrato, mas inquestionável. Laço que não desata, vidro que não quebra, papel que não rasga, pessoas que não se separam. Parece tudo impossível e, no entanto, tantos anos depois, cá estamos nós.
Quem nos dá o ombro, normalmente fica com ele marcado. Porque são essas pessoas que nos aturam e estão disponiveis, as mesmas em quem descarregamos: o mundo cai-nos em cima, nós caímos em cima delas.
Mecanismos de defesa ou outro termo psico-sociológico qualquer. Mais um desgosto, mais uma trinca. E neste ato de canibalismo queremos que se perceba amor. Estamos a fazê-lo da forma errada. A passar raiva. O tal amigo , felizmente, tem as vacinas em dia - porque é essa a sua função. E no dia que nos morder de volta, lá estaremos, honrados por ter sido o nosso ombro o escolhido.
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