Avózices.
A propósito da Páscoa, a minha avó comprou daqueles doces com forma de fruta para o Moço. Porque ele faz dieta...fruta...Legitimamente convencida que eram a alternativa saudável às amêndoas.
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A propósito da Páscoa, a minha avó comprou daqueles doces com forma de fruta para o Moço. Porque ele faz dieta...fruta...Legitimamente convencida que eram a alternativa saudável às amêndoas.
Mais alguém tem panos de limpar o pó com rebordo bordado ou é só a minha avó que tem problemas?
O xailinho de malha larga que levo aos ombros foi a minha avó que mo fez. Guardou-o no meu enxoval até ao dia que mudei de casa para morar com o Moço. Reparem que não mo deu enquanto morei sozinha, apesar de eventualmente o Moço também se ter mudado para lá comigo. Deu-mo quando arranjámos os dois a nossa casa atual. Disse-me que era um espera-maridos. Para as mulheres se aconchegarem um pouco enquanto o marido não vinha da pinga ou da lavra. Não me casei, mas ela esperou pelo momento certo para mo dar.
Quando as temperaturas começaram a descer fui buscá-lo à gaveta dos pijamas, onde o guardo, ao fundo. Sabe bem, quando não há tanto calor que se precisa de mais uma camada, mas já faz falta um aconchego aos ombros. Sentei-me no sofá ao pé do Moço (por quem efetivamente espero muitas vezes) e perguntei-lhe se sabia que aquilo era um espera-maridos, com um tom terno, de quem vai contar exatamente o que vos contei. Diz ele, com ar gozão:
- É agora...isso é um xaile de avó!!
Pronto, não me chateei porque também é efetivamente um xaile. Que efetivamente é usado por pessoas de idade - está para vir a tendência para as mai'novas outra vez quando a primeira blogger IN publicar uma foto de xaile. Mas depois fui ao Google pesquisar por espera-maridos e percebi a desilusão dele. Além dos xailes e de alguns doces assim chamados, há toda uma categoria têxtil de espera-maridos com a qual ele talvez ficasse mais entusiasmado...
Conversa entre a minha avó, que trazia um fio com um crucufixo ao pescoço, e uma das suas netas (cuja identidade permanecerá anónima):
Neta: Olha, tens aí Jesus ao pescoço.
Avó: Não é Jesus que se diz. É o senhor!
Neta: Ó 'vó, os senhores andam de fato e gravata, esse está nu...
Avó: Vá, respeitinho.
Neta: Deixa lá 'vó, eu não acredito nessas coisas.
Avó (a levar as mãos ao peito): Ai, a minha neta é jeová!
O maior desgosto da minha avó é que eu não ponha cortinas lá em casa. Já chegou ao ponto de me dar dinheiro para as cortinas (usei-o para comprar tapetes para o quarto). Se soubessem o quão forreta é a minha avó, saberiam o significado que isto tem.
O argumento dela não é estético, é social: as pessoas podem ver o que se passa cá em casa. Só a sala se presta a que alguém olhe e veja qualquer coisa, pela vidraça grande da varanda. Já lhe expliquei de mil formas que não faz mal, não farei nada que a envergonhe (não que ela conheça alguém em Lisboa), nem tenho nada a esconder. O que lá tenho de valor é mesmo só a TV e, mesmo o mais tonto dos meliantes, há-de adivinhar que tenho uma, mesmo que não a conseguisse avistar. Acrescento que o meliante que me visse a TV teria de ser meu vizinho do prédio da frente, porque da rua não se vê nada cá para dentro - não moro propriamente no rés-do-chão.
De resto, não me preocupo com isso porque eu própria não me incomodo minimamente com a vida dos outros. Demorei mais de um ano, para ver o cão do outro lado da rua, na varanda mesmo à frente da minha, quando toda a gente que lá ia a casa já o conhecia de cor. Não sei se será problema meu ou dos outros. Aposto as fichas no segundo cavalo. Em todo o caso, não há cortinas.
Assim, quando calha a minha avó vir à capital e ir lá casa, senta-se na mesa ao jantar, de frente para a varanda e já sei que me vai voltar a dizer:
- Vês? A vizinha daquele lado ainda não parou de olhar para aqui. A querer ver o que se passa.
Já nem me dou ao trabalho de a fazer notar que estava a fazer exatamente o mesmo que a vizinha que acusa de indiscrição.
A minha avó diz que foi ao médico e ele lhe disse que ela tinha um problema no cocas.
No cocas.
Sempre que passava à tua casa parava. Vinha da escola, tinha caminhado um bocado já desde a paragem do autocarro e isso servia de desculpa. É que estava cheia de sede, reclamava eu. Davas-me água da torneira que sabias que eu odiava, mas tirava-la do jarro que tinhas enchido antes. E fingíamos. Tu fingias que era água do garrafão. Eu fingia que me deixava enganar e que aquilo não me sabia a cloro. Sentava-me no sofá grande, porque sabia bem que o pequeno era só teu, para te sentares a bordar com os cotovelos apoiados. Pedias-me novidades para ouvir sempre a mesma resposta - tudo normal. Nunca fui de falar muito, mas não me importava de ouvir. Então ficava ali um bocado enquanto me descrevias o que tinhas visto essa manhã na Praça da Alegria. E só depois é que eu retomava o passeio até casa.
No outro dia disseram-me que a Praça da Alegria tinha acabado. Tive pena, por essa parte dessas tardes que já não podemos repetir.
Mas o resto podemos.
Acho que tenho sede.
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