Maria (de olho gordo para outra mesa): Humm...o que te parece aquilo que os senhores têm ali?
Moço: Não sei...uma espécie de molho,acho.
Vem o senhor atender-nos.
Maria: Quero uma bifana, um prato de batatas e uma cola com gelo e limão. Senhor: E o nosso novo molho para as batatas? Maria: De que é feito? Senhor: Natas e cogumelos. Moço: Tu não gostas de cogumelos nem muito de natas... Maria: Quero provar na mesma!
Olhar reprovador do Moço. Vem tudo para a mesa. Maria-gorda avança com a batata para o molho e prova lampeira:
Moço: Então, gostas? Maria: Não...mas queria mesmo provar.
Não posso ser só eu (e a Susana Félix) a ter mais olhos que barriga (e cérebro). Não sou, pois não? Digam ao Moço.
Esta podia ser a história dum homem e duma mulher que foram feitos um para o outro, mas não é. Quando nascemos, nascemos feitos para nós mesmos. Não é egoísmo, é liberdade. Se o Amor não entender isso, acaba. O problema é que normalmente não entende, porque o Amor tem a mania de ser egoísta. Sobre o que falamos quando falamos de Amor, acaba sempre no mesmo pressuposto, errado, de que quando duas pessoas se Amam passam a dever alguma coisa um ao outro. É a assumpção de que duas pessoas podem nascer uma para a outra quando, de facto, não podem. A variável do nascimento insere-se no imenso caos probabilístico que nos torna impossíveis para o(s) outro(s). Ainda bem, digo eu. Sabe tão bem sermos feitos para nós mesmos que sabe ainda melhor quando atingimos a impossibilidade do Amor. Na verdade, o único egoísmo que consegue ser maior do que o nosso é o egoísmo da paixão. Quando nos apaixonamos e passamos a sentir que o chão está dez centímetros abaixo dos nossos pés, assim como quem não quer a coisa, abdicamos um pouco de nós. Estou a escrever este texto com as mãos a cheirar a bifanas, as melhores do mundo, que como de vez em quando no Icaria, um restaurante perto da estação de São Bento. São dois euros e noventa por uma experiência divinal com carne no pão e uma cerveja. Mais ainda quando se assiste ao que eu assisti hoje. Um homem e uma mulher a discutirem energicamente na rua. Ela a pedir que ele a deixasse em paz, ele a argumentar que foram feitos um para o outro. É um péssimo argumento, pensei. Depois trinquei a bifana.