Sobreviveu um espécimen ao grande incidente das velas de Março de 2016, doravante recordado como mais um ato de terrorismo do século XXI (mas a autora fui eu e não um grupo islâmico). Escapou um muffin que fiz com a mesma massa do bolo, que escondi do Moço e usei para lhe dar os parabéns à meia noite, com uma única vela acesa no topo. Infelizmente, apesar de ter encontrado salvação durante o derrame das velas da véspera, sucumbiu nos primeiros minutos do dia 15 aos dentes do aniversariante.
Não sei se já vos tinha dito, mas eu sou uma apressada. Quando tenho uma coisa para fazer e as ferramentas à disposição, quero despachá-la logo e ficar descansada. Por exemplo, se tiver um jantar para uma dúzia de pessoas lá em casa, o Moço bate-me nas mãos para eu não começar logo a pôr a mesa quando acordo.
E ontem dei outra vez um ar da minha graça. Queria fazer um bolo de aniversário que o Moço gostasse e pudesse comer sem estragar as suas 1001 dietas (o bichinho é este, e diz quem gosta de banana que é delicioso, mesmo sem levar açúcar, nem farinha, nem manteigas). Pus mãos à obra de vespera, o bolo é super fácil, ficou pronto num piscar de olhos. Tirei-o do forno. Já tinha preparado o prato e alinhado as velas para ele. Por isso, apressada - ja disse que sou apressada? -, desenformei o bolo a queimar as mãos. Foi fácil porque agora uso sempre formas de silicone. E que lindinho estava o bolo. Fui buscar o côco ralado para lhe pôr em cima e salpiquei-o de branco.
Lembrem-se que o aniversário era só no dia seguinte, mas eu estava a despachar trabalho. E já tinha as velas em cima da mesa...não esperei, coloquei logo as velas no bolo também. Sim, as velas para soprar daí a 24 horas. Não, nem sequer vai ser cá em casa. O bolo ficou imponente, 30 torres azuis erguidas, dei uma palmadinha nas minhas próprias costas e afastei-me da cozinha.
Talvez já tenham adivinhado o desfecho...as velas são de cera que derrete quando aquece (surpresa!) e o bolo estava acabadinho de sair do forno. Por isso quando voltei à cozinha, passados uns minutos, as velas estavam tortas, caídas, com a cera azul amolecida para dentro do bolo. Não tinham base, era velas com cotinhos. Molho de vela em 30 buracos de bolo bem contados.
Não falo em virar mais um capítulo a cada aniversário: cada um acomoda a idade com a graça que lhe aprouver. No entanto há certos rituais, que se têm vindo a aprimorar com o tempo, que me fazem sempre temer o momento do bolo.
1. O Parabéns a Você Infinito. Há sempre aquele atrasado mental que a meio da canção a recomeça, como se fosse um momento fantástico. Sejamos francos: os convidados estão desafinados e o aniversariante (sou só eu?) não sabe onde se enfiar, para onde olhar, se entra na cantoria ou bate palminhas como uma criança. O momento não se quer prolongar. Mas nãaaaaaaaao. Aquele anormal quer prolongar o momento. Entretanto, também o autor da letra está a dar voltas no caixão, porque há um uso escusado do "você" (parabéns a você? a sério?) e diz que quem canta são as nossas almas - antes fossem, talvez fosse um canto interior.
2. O Parabéns a Você Infinito - Parte II. Quando eu era novita não havia estas modernidades de prolongar a canção ao nível da epopeia musical. A música começava no "Parabéns a você" e acabava no "uma salva de palmas". Parece que alguém com uma veia de poeta ou diva da música, se lembrou de continuar a cantar quando todos se calavam e a moda pegou. Portanto há toda uma nova quadra para desejar saúde e amigos - mais amigos para quê? Para haver mais gente a cantar? E quando finalmente suspiramos de alívio porque acabou o ritual: olham para nós como se esperassem alguma coisa. E não é bolo. É um solo musical. Sei que começa com "Obrigado amigos" mas normalmente acabo logo com "não sei esta parte, vamos comer".
3. Trincar a Vela. O fabricante de velas que se lembrou desta é um génio. Como é que posso fazer para eles não guardem as velinhas e as reciclem até à morte riscando os numerozinhos? Ponho-os a trincar cera para dar boa sorte! Meus senhores: se ao trincarem cera querem pedir um desejo, que seja este: uma escova de dentes logo a seguir. Neste momento, imagino sempre pessoas muito finas a entrar num hotel elegante onde há candelabros com velas altas acesas e que de repentem perdem a pose, largam as malas e se põem com a cabecinha de lado a mordiscar as velas do lobby. Depois sacudo a cabeça e penso que é um disparate. As pessoas ricas que vão para hóteis com candelabros não têm desejos: compram tudo.
4. A primeira fatia de bolo. É uma espécie de "gostas mais do pai ou da mãe" aplicado a toda a família e/ou amigos. E agora? Dás a fatia de bolo à pessoa mais velha, talvez num insulto? À mãe que distendeu as ancas para te trazer ao mundo? Ao namorado, criando mais uma quezília tipo quem-é-o-homem-da-tua-vida com o pai? Conselho: come a primeira fatia e engole a dúvida.