Alinho sempre os comandos da televisão ou as canetas e blocos, paralela e perpendicularmente à secretária e ao computador. Pode estar tudo desarrumado, mas ao menos em montes pré-definidos de desarrumação. A roupa interior deve combinar uma com a outra e com a exterior. Chinelos centrados, num ângulo de 90º à frente da mesa de cabeceira se não os estou a usar, mas também não é caso para arrumar por um bocadinho. Demorei 40 minutos a sair de uma divisão porque não achava o lugar certo para uma cadeira que lá tinha de ficar (nem sequer estava em minha casa). A comida não encosta (arroz com salada com carne, cada um na sua porção de prato). Pelo menos, já deixei de usar molas a combinar com a roupa quando a estendo.
É libertador confessá-lo, porque sinto que é uma coisa muito mal vista na sociedade. Mas ao ver um mundo cada vez mais ciente da igualdade de direitos quanto ao género, a raça, a preferência sexual e outras que tais (clubística ainda não) sinto que devo poder dizê-lo sem ser vista como leprosa auditiva.
Não me entendam mal, sou grande apreciadora de jazz & blues e sinto que há momentos na vida onde quase todos os géneros musicais são adequados. E sim, há músicas que me tocam (especialmente de gente morta) e me despertam recordações e me causam um "ah". Mas no dia-a-dia não sinto falta dela, como muita gente. Não a uso de fundo para trabalhar, nem de companhia quando estou sozinha. Nas viagens prefiro um livro e não preciso de auriculares nos ouvidos para esquecer o resto do mundo (isso e tenho pavor de falarem para mim ou acontecer qualquer coisa e eu estar sem a audição ativa). Não conheço o que anda a ser ouvido e nunca ouço rádio. Aliás, o carro é mesmo o único sítio onde gosto de ouvir música (porque não posso mesmo fazer mais nada), mas quero ouvir a mesma de sempre e cantá-la se o ouvido alheio não for muito sensível. Não sei nada do que está na berra, nem de bandas, nem de nada. Se fosse ao Quem quer ser milionários perdia a dizer que DAMA era um tipo de alfinete (sim, sim, sei que é "de ama"). E sempre que o Moço me pergunta "sabes que banda é esta?" respondo Beatles. É raro mas acerto, como os relógios parados que ainda assim estão certos duas vezes por dia.
Gosto de música mas não me alimento dela. Espero que possam continuar a tolerar-me depois de saberem desta terrível verdade. Deixo para outro dia a revelação: não tenho aquela cena de querer ver o mar.
Depois desta acusação do Moço e de me terem linchado em praça pública por não querer que me digam "bom dia" quando estou a trocar de roupa no ginásio, passou-se outro episódio. E eu, que acho sempre que sou encantadora (às primeiras, pelo menos, depois torno-me irritante porque quando vou ganhando confiança não me calo e abuso na brincadeira e na ironia e já não me suportam), tive de me render às evidências: sou uma besta (e é mesmo logo às primeiras).
Estava com uma amiga e o Moço liga-me. Falo com ele, desligo e vejo-a muito séria a olhar para mim.
Amiga: Afinal não é só a mim que fazes isto!!
Maria: Isto, o quê?
Amiga: Tu nunca te despedes ao telefone!
Maria: Não é verdade...
Amiga: É, é! Qual foi a última coisa que o Moço te disse?
Maria: Tchau? Beijinhos?
Amiga: Tu não respondeste nada! Só desligaste! Fazes o mesmo comigo. Até já te fiz o mesmo para ver se gostavas, mas tu nem ligaste nenhuma e eu fiquei a sentir-me mal a achar que podias ter mais alguma coisa para dizer e eu cortei a chamada...
Pois, meus caros, isto é assim: eu não quero retirar poder a ninguém. Se o Moço (ou a minha amiga) dizem "adeus" estão a terminar a chamada e não precisam da minha validação. Não é preciso eu autorizar. Eles despedem-se e eu limito-me a obedecer. Se dissesse "adeus" também estaria a dizer que eles sozinhos não têm poder aos meus olhos para deter a decisão do fim da chamada - e eu respeito-os muito.
Pelo menos foi assim que racionalizei a questão e a expliquei. Porque tenho sempre resposta para tudo - inventada na hora.
A verdade é que nunca me apercebi que fazia isto. Que vivi anos a fio sem noção que não respondia ao "adeus" telefónico. Logo eu que sou toda "por favores" e "obrigados". Uma besta, afinal. Peço desculpa à humanidade. Por existir, enfim.
Desta vez é que é. Tenho mesmo de beber mais que um púcaro de água por dia. Oito copos ou 1,5l, no mínimo. Já tinha experimentado uma aplicação para me lembrar e não resultou. Mas penso que não estava mesmo decidida - e desta vez estou.
Por isso, esta manhã, pus uma garrafa de litro e meio ao pé de mim. ... ...
...
...
São cinco da tarde. Acabei de a abrir. Dois tragos já foram.