Já nos tínhamos despedido e já levavamos aí uns 100 metros de distância na rua quando ouço "Tiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaa". Viro-me para trás e vejo o meu sobrinho de 4 anos a correr rua abaixo para me dar mais um abraço. Cena de filme, daquelas em que se usa slow motion para puxar à lágrima.
Ouve-se o Moço, que é efetivamente o irmão do pai da criança:
Praia ou ver uma série toda de seguida no sofá? Ver uma série toda de seguida no sofá.
Toda a vida as minhas respostas foram estas. Não gosto de areia que me faz cócegas debaixo dos pés e invade tudo à minha volta e em mim (a areia não respeita o meu espaço pessoal), nem tenho paciência para horas longas ao Sol sem fazer nada, nem aprecio roupa molhada a demorar-se no corpo e pingar para o meu livro, muito menos sou um caso sexy de mergulho (sou uma patega a nadar com a cabeça de fora).
O meu conceito de praia constituiu-se a partir daqui: sairmos às sete da manhã de casa para ir até à lagoa da Foz do Arelho, passar o dia todo a tentar ficar com a cadeira do meu pai para ler confortável; almoçar na mata, com o que vinha da geleira mais algum frango assado comprado à beira da praia, em cima de uma manta onde as carumas teimavam em espetar-se e onde as formigas faziam fila. E nem me ponham a falar das abelhas.
Havia duas coisas boas: (1) a hora do banho que era só horas depois de digerir a comida, mas acompanhada de algum temor de peixes-aranha e (2) despachar livros, com o meu pai a ralhar que não podia estar sempre de cabeça enfiada no papel.
Foi, portanto, irónico que a vida me viesse plantar à beira-mar, a ter por quintal as praias de Espinho: a mim, a pessoa que nem aprecia assim tanto a praia. Só que aqui descobri que a praia podia ser outra coisa. A praia é um passeio curto. É sair de toalha na mão, refrescar-me no mar e voltar para casa. Ou esquecer o biquíni e levar só um livro. Lê-lo sentada nas esplanadas que moram na areia. É uma hora de vitamina D, em vez de uma cápsula. É sair de casa e sentir o aroma a maresia. É ir e regressar quantas vezes eu quiser, se me apetecer. Aqui, a praia é liberdade. Não tenho o peso de ter passado o trânsito da ponte para chegar à Costa que me dá obrigação de estar lá tempo suficiente para compensar o que pago de portagem na volta. Não tenho de levar tupperware com petiscos, porque posso literalmente dar um saltinho ao frigorífico. É saúde, é descompromisso, é prazer.
Ontem. O Moço saiu para apanhar o comboio até ao Dragão onde vai ver o jogo. Eu fico, que o bilhete de graça era só um. De borla até injeções na testa. Troco a roupa da rua por metade-pijama metade-roupa-de-ginástica (que devia chamar outra coisa qualquer visto que só tenciono rebolar os olhos). apanho o cabelo num nó alto e desfeito. Ponho uma máscara nos papos dos olhos e outra nos beiços (das de hidratar, não do carnaval). Auscultadores dos grandes nos ouvidos - dos grandes que não sei dos outros - para ouvir melhor uns vídeos de som baixo. Vejo-me no reflexo do tablet ainda escuro, olho por mim abaixo e penso: se ele voltasse agora a casa porque se esqueceu de qualquer coisa...matava-o do coração com o susto.
Hoje ouvi a voz da minha mãe, a 124km de distância e sem usar o telemóvel. Decidi que não queria usar casaco. Como acontece a todas as mulheres de roupeiro cheio: não tinha o que vestir. Nenhum dos meus casacos se afigurava capaz de me compor com elegância e eficiência o conjunto já escolhido. Portanto pedi à minha camisola de lã que se fizesse de tão grossa quanto possível. Às vezes, quando temos de fingir felicidade, ficamos um pouco mais contentes. Disse isso à camisola e ela fez-se quente. Entrei nos dez graus da manhã com confianças de verão. Às vezes, quando temos de fingir que não temos frio, não temos mesmo. É por isso que as mulheres podem usar saias no Inverno - a meia de vidro não protege, o ego é que sim. Olhei-me na vitrine enquanto passava e ouvi distintamente a voz da minha mãe: lá vai ela, em corpinho bem feito.
Aquelas pessoas que fazem posts a dizer que não falam de determinado assunto, como quem diz que toda a gente fala desse assunto, menos essa pessoa, que no fundo está na mesma a falar do assunto, assumindo que não fala.
Estão dois carros parados na via, um encostado ao outro, claramente bateram, os donos a olhar e a ver se há estrago e há quem diga "deram um bejinho". Estas pessoas devem ter experiências terríveis com beijos para os compararem com acidentes rodoviários...herpes, talvez?