Recebi-a no dia do meu aniversário, e por entre outras simpatias dizia assim:
Podem passar os anos que passarem que jamais serás esquecida, passámos (na minha perspectiva) os melhores anos da minha vida juntas e continuaremos juntas para sempre!
Além do carinho todo que me enterneceu, porque de facto é uma das pessoas que será uma das minhas pessoas para sempre, independentemente de neste momento nem ter a certeza em que cidade do país mora (terá emigrado?), não pude deixar de ver a desilusão do presente nestas palavras. Entristeci-me por ela achar que agora é menos feliz do que noutra altura qualquer.
O melhor ano da minha vida é este. Não sei se em termos práticos será, e há certamente muitas coisas nele que me amargam a língua. Mas faço sempre por ver as coisas de forma a não querer trocar o agora por tempo algum, nem passado, nem futuro.
Será uma forma de defesa, porque como em boa verdade não podia estar noutro momento que não fosse este e nunca fui dada à falta de pragmatismo, mais me vale acreditar que esta é a melhor fase da minha vida, mesmo quando acabo de dar com o mindinho do pé na esquina do móvel.
Não sei se é a forma certa de encarar o mundo, nesta espécie de ilusão que só de vez em quando calha a ser verdade, mas sei que é parte do que me faz acordar com energia todos os dias - incluindo às segundas-feiras. Não sei. Não sei mesmo. Mas tenho um palpite.
Sempre usei a imaginação como um entretenimento próprio. Ao deitar-me imaginava os sonhos que queria ter. Forçava-os à minha (in)consciência. E nesses sonhos cumpria os meus desejos. Aconteciam todas as coisas que eu esperava que acontecessem no dia seguinte, na semana seguinte, no ano seguinte. Como no guião de um mau filme, tudo batia certo e qualquer adversidade era prontamente resolvida, só existindo para tornar mais saborosa a conquista.
Hoje em dia deito a cabeça na almofada e não encontro com o que sonhar. Não que tenha chegado ao auge da felicidade ou que tenha perdido esperança nos feitos por concretizar. Mas não há efetivamente algo de palpável no amanhã que eu queira.
Parece que perdi os sonhos, mas o que aconteceu foi que aprendi a apreciar a realidade e não desejar uma coisa diferente, mesmo quando o presente é uma coisa assustadora, incerta, dispensável, a melhorar. Não resolvo a vida com sonhos.
Passaram-se 50 anos. Tenho os cabelos brancos e a pele macia. Envergo um vestido, a minha peça favorita desde sempre. Já não me molda a cintura da mesma forma, mas a mão dele está lá a abraçar-ma. A minha cabeça esta encostada no ombro dele, onde pertence, mas não se deixem enganar: discutimos afincadamente qual o filme que vamos ver agora. Ele pergunta-me o que quero ver afinal e eu protesto porque ele me pergunta sempre e nunca decide. Não chega a se rum problema. Nunca foi. Esboço um sorriso meigo aos problemas que ficaram para trás e na altura pareciam fazer desabar o mundo. Tudo passa. Os planos que fiz desfizeram-se e deram lugar a caminhos que nunca pensei percorrer. Contei muitas histórias. Escrevi menos do que as que me passaram pela cabeça - seria um exercício impossível. Perdi pessoas que achei que iam durar para sempre. Ganhei pessoas que não sabia que ia ver chegar. O Natal está próximo e tê-las-ei todas à mesa. É Outubro e já tratei da prenda dele. Incorrigível. Não resisto a dar-lha já - que Diabo, depois compro outra. Levanto-me com alguma dificuldade, que já não vou para nova e finalmente percebo o que eram "as cruzes" da minha avó. Tiro a prenda da gaveta. Ainda me envaideço a olhar para as minha mãos finas e ágeis, mesmo que agora lhes conheça uma firmeza mais desajeitada. Passo-lhe o embrulho para a mão e ele descobre o relólógio que lhe dei - o primeiro. Um modelo quase obsoleto para a altura. Restaurado agora, ponteiros a mexer, uma inscrição "o tempo voa quando somos felizes". Levanto-me e ele pergunta-me onde vou agora que íamos começar a ver o filme. Vou só escrever um bocadinho. Vou ao blog contar a tua reação.
Abro os olhos.
A primeira incursão já está. Espero um dia regressar lá. A este mesmo futuro. Assim que for presente.