Estamos a conversar, eu, o Moço e uma prima dele, quando ele espirra e explica que ainda está a recuperar de uma gripe terrível de que foi vítima na semana passada.
Maria: Não foi bem uma gripe, foi só mesmo uma constipação.
Já tinha ouvido falar tão bem do filme por essa blogosfera fora que, depois dos Globos e já em ressaca de cinema, peguei no Moço (foi mais ao contrário) e fomos ver o tal Manchester by the Sea. E é exatamente como o descreviam: um filme poderoso, emocional, trágico, pesado, mas também com toques de humor negro e diálogos brilhantes que tornam aquilo que podia ser um dramalhão num filme sobre algo positivo: sobre como - aconteça o que acontecer - temos de levantar a cabeça e continuar.
Não chorei porque sou uma pedra, mas o filme termina e tenho aquela sensação no peito que talvez só faltasse mais uma palavra para isso. E no meio do silêncio comovente da sala, o Moço diz:
Vivo com o meu namorado há três anos. Mas continua a parecer que estamos na primeira semana. Porque estamos sempre aos amassos, aproveitando o nosso espaço e tempo comum? Perguntam vocês. Não. Porque ainda tenho de repetir as mesmas coisas da primeira semana como “isso não se deixa aí” ou “não podes virar a carne com uma colher de chá”.
É verdade que ele morava com os pais e fazia pouco pelo que posso dizer que aprendeu tudo o que se refere à lida da casa comigo. Que é como quem diz: já sabe levar o lixo para baixo. Mesmo assim queixa-se muito. Que é sempre ele a fazer isso e eu não tenho nenhuma tarefa que seja só minha (tipo aturá-lo?). O que é falso porque sou sempre eu que arrumo o comando da PlayStation (apesar de nunca ser eu a usá-lo).
Ao contrário do Guilherme, acho que o Moço ficou favorecido com as despesas divididas. Nas coisas do dia a dia mal se nota (eu até compro muitos cremes e porcarias, mas depois deixo-os na prateleira cheios por três anos, logo os primeiros ainda não se gastaram), mas tenho para mim que noutros investimentos tenho ficado prejudicada. Por exemplo, comprámos a Bimby a meu pedido a qual ambos usamos e da qual ambos usufruimos. Mas comprámos a PS4 a pedido dele e eu usufruo muito pouco. Ele diz que escuso de falar da Bimby como se fosse a sétima maravilha porque também não faz torradas. Mas experimentei pôr bocados de Panrico na Playstation e também não torrou grande coisa. Embora de facto agora cheire às vezes a churrasco quando a usa. Portanto terá potencial. Aprendi qualquer coisa.
Além disso não sei se ele tem grande noção do que compramos para a casa, tirando as saladas, os ingredientes da sopa e a carne ou peixe. Há coisas que acabam e renascem como um mistério para ele . Sabem aquelas crianças que acham que os ovos se criam no supermercado em vez de virem da galinha? Ele acha que o shampô ou a pasta de dentes crescem nas louças da casa-de-banho. O papel higiénico também nasce no suporte, como todos os homens sabem. Ainda por cima quando o vêem no supermercado muitas embalagens têm a indicação “reciclado” e eles pensam que ele se auto-recicla mesmo - grandes ambientalistas, os senhores da Colhogar.
Mas voltando à louça da casa-de-banho...já vos aconteceu, minhas senhoras, acordarem, arrastarem-se até à casa de banho pela manhã, e ainda estão a tentar lavar a cara quando começam a ver bicharada no lavatório? Uma espécie de pulgas do mar? Mas às carradas? E depois lá conseguem abrir melhor os olhos e são só restos mortais de barba. Aprendi, no entanto, que há uma explicação: eles não lavam os cotinhos de barba com água do lavatório para compensarem o facto de transportarem consigo toda a água do mundo na barba de cada vez que lavam os dentes. Quando ele lava os dentes e me dá um beijo para se ir embora, parece que levei com o Rio Nilo no focinho. E eu nado mal. E não gosto de piranhas.
Aprendi ainda que há uma razão para existirem aqueles cartoons dos homens a dormirem sempre destapados no último terço da cama. É que ele queixa-se do calor porque eu quero dormir sempre bem coberta (sem piadas sexuais, por favor), mas sempre que se mexe deixa um túnel de vento entre nós e eu não me posso queixar. Depois puxo os lençóis, claro que puxo. Não quero dormir num ciclone em formação. E encosto-me, claro que encosto. A tentar evitar a cidade de Chicago entre nós.
Mas enfim, não me posso queixar apesar de ele ter ficado com um terço do espaço de arrumação de roupa apesar de termos combinado que ficava só com 10%. Na maior parte dos dias ele faz-me o pequeno-almoço. E posso sempre ver o que quero na TV porque ele fica de olhos colados a tudo (mesmo que seja um documentário sueco - sem legendas - sobre a o ciclo de vida do caruncho). De forma que já lhe ganhei carinho. Isso e encontrar casa só para uma pessoa não está fácil.
E como qualquer homem que conhecem isso é o suficiente para se desfazer em gemidos e entregar a alma ao criador. Anda cá por casa a arrastar-se mais ou menos como o aquela miúda do The Ring que sai da TV e esgravata tudo à frente.
Claro que se for para pegar no telemóvel ou jogar um pouco de PlayStation se esquece momentâneamente dos esgares de dor e dos movimentos presos. Ou a tecnologia tem efeito terapêutico ou talvez seja menos grave do que parece. Entretanto se alguém tiver remédios infalíveis que avise.
Alguns homens comentaram em reação ao post Mulheres dizendo que também eles são seres múltiplos em funções, sentimentos e estados de espírito. Que nem sempre nós, por entre a nossa complexidade, achamos espaço para reciprocar essa compreensão e atenção que pedimos.
E, que raios, estão corretos! O post não intencionava, de forma nenhuma, armar barricadas de géneros, só falar a uma voz, que era a feminina, por esta vez. Dito isto, gostava muito de publicar um texto semelhante ao Mulheres, mas dedicado a Homens. E para isso gostava de contar com a vossa colaboração, meus rapazes.
Enviem o vosso ponto de vista para daspalavras[at]sapo.pt e eu lerei tudo para compôr (com os devidos créditos) uma defesa da vossa personalidade - sem pressupor que há ataque. E/ou escrevam sobre isso nos vossos blogs, se são donos de um e dexem aqui o link. Vamos adorar ler - atrevendo-me a falar pelas outras mulheres também (só mais esta vez).
À hora de almoço anuncia erguendo a carteira em pele do FCP que lhe ofereci: "Tu é que fazes com que as pessoas pensem que eu sou fanático do Porto. Eu até nem ligo muito, mas tu dás-me estas coisas parece que sou maluquinho da bola."
À noite a ver o jogo Braga x Porto (empatado)...
Tremem-lhe as pernas. Levanta-se do sofá nos lances perigosos como se pudesse mudar o rumo da jogada. Não pára de fazer comentários indignados para alguém (que não devo ser eu, apesar de não haver mais ninguém conosco). Leva as mãos à cabeça com um ar esgazeado.
A Gaffe, essa grande maluca, desafia-nos a fazer frente ao Miguel Marujo, com o seu libidinoso E Deus Criou a Mulher (os meus leitores homens não deixem de visitar...e as mulheres também podem e devem). Primeiro, não queria deixar de referir que há uma rubrica de eye candy para as senhoras na publicação Supa Woman, que coincidentemente até se chama "E Deus criou o homem" e que tem uns petiscos jeitosos listados semanalmente. Também vale a pena a visita. Segundo, não queria deixar de responder ao desafio. Na intensa e dificílima pesquisa que fiz (um autêntico sacrifício) havia homens mais desnudados, mais cruzados com tanques de lavar a roupa à mão, mas nenhum que me intrigasse como este, que ainda nem a camisa tirou. E intrigar é um excelente palavra.