Acredito que o riso é terapêutico e que não há barreiras no humor. Que mesmo aquelas piadas que achamos que são demasiado ofensivas são apenas porque nos tocam diretamente em situações que gostaríamos de esquecer, ou quando achamos que era escusado porque não tem piada, foi só porque não nos tocou - e cada um tem a sua cócega particular. No show do Ricky Gervais que entrou na Netflix recentemente (Humanity) ele faz um raciocínio que me parece fresco e certo: ofender-se com um humorista que goza com uma situação e querer impedi-lo de o fazer só porque não queremos consumir essa piada, é como ver uma loja de jardinagem (acho que o exemplo é outro) e ofendermo-nos com o dono porque não queremos semear flores e pedir à ASAE que lhe feche a loja. Podemos simplesmente não comprar. Podemos simplesmente não seguir, não ler, não ouvir. Eu compro, mesmo quando as situações me tocam, porque acredito que essas piadas lhes retiram gravidade e ajudam a encará-las. E hoje vou consumir à bruta. E rir-me muito.
Não espero de ninguém que goste de humor negro como eu gosto. Por isso uso-o a tempos certos e com as pessoas certas. Ninguém pode dizer que brinco com determinadas situações por não as viver. O meu avô, segundo pai por 18 anos, é a pessoa que mais falta me faz no mundo, mas sou capaz de brincar com a morte. A minha tia mais nova e bem próxima (todos me disseram sempre que eu era a cara chapada dela em nova), foi levada por um cancro, mas eu brinco com doenças. Acho que rir nos faz fingir, numa gargalhada, que qualquer situação pode ser um bocadinho menos assustadora. É um alívio bem-vindo.
Como digo, sei que nem todos gostam de piadas sem limites. Há muito que deixei de acreditar que toda a gente é possuidora de algum tipo de humor. E também já deixei de desejar que quem não compreende ou gosta de humor negro possa simplemente afastar-se dele em vez de crucificar quem o aprecia ou nele se refugia. Por isso, quase sempre, evito brincar com temas (ou tons) demasiado agressivos no blog, que possam ferir susceptibilidades: morte, doença, desastres, crianças, religião e nojos vários. Um filtro que no fundo também aplico no dia-a-dia, fora da esfera virtual, sempre que não conheço bem os limites da pessoa com que falo. No entanto, cometi o grave erro de não evitar um assunto que mexe ainda mais com os nervos do português comum: o FUTEBOL.
Sou sportinguista convicta e fiel. Já fui mais fervorosa e seguidora, mas passou-me por circunstâncias da vida que não têm a ver com as derrotas crónicas. Lá vai o tempo em que até preenchia as cadernetas de cromos com a equipa verde e branca em cada época. Quando vi esta imagem, ri-me muito. Sei que não é completamente verdadeira. É redutora. Considera apenas a modalidade futebol e os titulos no campeonato português. Mas nada disso interessa numa piada. Não é preciso análise estatística e sociológica ou provas de ADN. Não é preciso verificar factos. Só descontrair e deixar-nos levar. Erro meu. Grande burra (aponta o comentador). Aliás, ele diz burro, porque ficou tão cego de ver a imagem que já nem reparou que era publicação de uma Maria, que tende a ser um nome feminino.
Enfim, só me ri (mais uma vez). Mas ao mesmo tempo é triste que não se possa rir e brincar com mais um assunto - um que até devia ser só sobre entretenimento e nada sobre tragédia. Nem é falta de humor negro, é só falta de tolerância. Lamento muito que por não se saber brincar se tire ao futebol uma das suas maiores graças: a picardia SAUDÁVEL entre adeptos.
As boas? Finalmente o livro do Afonso Cruz apareceu. Estava de facto em casa dos meus pais, depois de a minha irmã o ter levado emprestado há meses.
As más? Foi encontrado assim.
[Ou pelo menos foi esta a foto que recebi da minha irmã, juntamente com a mensagem "O livro do Afonso Cruz não queria ser encontrado. Lamento mas cheguei a casa e encontrei-o assim...Devias ter deixado o assunto em paz. Ele não queria voltar para Lisboa..."]
Estava aqui a pensar...As pessoas puseram-se do lado da Charlie Hebdo (que fazia humor negro, racista e religioso e o diabo a quatro) porque explodiu...Será que se o Sinel de Cordes explodisse também passavam a advogar a liberdade do humor dele?
(o único sentimento mais forte dos tugas do que o ódio pelo humor é a paixão pelos coitadinhos...)
[Para qualquer comentário que se assemelhe com "ele nem tem piada", "o humor tem limites" ou "espero que ele morra" vide resposta aqui.]
Pronto, o homem chateou-se e agiu mal. Certo. Mas chamar-lhe "crime" acho abuso. "Crime" era ele matar a mulher e ainda deixar as despesas do funeral pendentes. Agora tratar logo de tudo, fazer o enterro, e poupar a dinheirama que se ia gastar com a Servilusa? Está ali na fronteira do serviço público, digo eu.
Pode brincar-se com tudo, embora não o possamos fazer ao pé de toda a gente.
Não tem a ver com a proximidade do problema até: há paraplégicos que são os primeiros a espalhar piadas sobre o problema que têm, cegos que dizem "estou a ver, estou", familiares de pessoas que o cancro levou (como eu) que são os primeiros a contar anedotas sobre o assunto. Mas a máxima de alguém que gosta de contar anedotas do género "O que é pior do que um bebé num caixote do lixo? Um bebé em dez caixotes do lixo.", deve ser "conhece o teu publico".
[a série #humorsemfronteiras tem o alto patrocínio da minha capacidade de abstração e riso]
Pode brincar-se com tudo, embora às vezes ainda não seja o momento adequado. O típico too soon. Por exemplo, posso contar a anedota "Mãe, posso brincar com o avô? Podes, mas depois arruma os ossos na caixa" ou "Mãe, não gosto do avô! Está bem, come só as batatas", mas não o posso fazer na semana do funeral do meu avô.
[a série #humorsemfronteiras tem o alto patrocínio da minha capacidade de abstração e riso]