Já decidimos se a Dodot é a melhor marca de sempre ou deve fechar?
Pois é, a Dodot Portugal fez uma campanha em que partilhas valiam uma ação de solidariedade, como foco em bebés prematuros, com um donativo máximo de 10.000€, consoante o número de partilhas.
No dia 1 eram a melhor marca de sempre e ninguém podia passar sem partilhar o vídeo emocionante (que muitos nem viram, aposto). No dia 2 eram uma marca aproveitadora e nojenta porque fazem parte de um grupo P&G que deu 7 milhões ao Neymar para publicidade noutra marca.
As pessoas devem refletir antes de partilhar? Sim. E antes de criticar? Também.
Somos tão cegos para estar de um lado da fronteira que nos esquecemos de tudo o que não sabemos. Por exemplo, não sabemos quanto a P&G dá para solidariedade. Pode ser muito ou nada, só não podemos achar que temos a certeza.
Também não sabemos qual o orçamento da Dodot Portugal, mas garanto de forma relativamente segura que não tem nada a ver com o budget da P&G internacional.
Os 10 mil euros em causa eram provavelmente (não sei) do departamento de marketing. São orçamento para promoção da marca e portanto podiam escolher promover a marca associando-se também a uma causa ou simplemesmente pagar mais uns poucos anúncios no horário nobre da SIC e está gasto (e se pensam que a publicidade em TV está morta, enganam-se, que ainda atinge milhões). Se for este o caso: é o que farão da próxima vez. E outras marcas estão automaticamente desincentivadas a investir em ações de marketing associadas a solidariedade. Vade retro opinião pública. São menos 10 mil para os bebés prematuros.
Por que o departamento de marketing é pago para promover a marca, pasmem-se (!). Tiram partido das emoções das pessoas? Claro. Mas é uma marca que envolve bebés. Ou fazem sempre anúncios com líquido azul numa fralda ou apelam de facto à emoção para criar uma ligação com a audiência. Não são maus por isso: às tantas mostram que estão atentos e conhecem o público. E, sim, vendem mais - porque é para isso que uma empresa serve. E se tiverem lucro, tavez até dêem parte para solidariedade, sem vocês saberem.
Ou não. Não sei. Não sei mesmo. O que sei é que temos de refletir antes de agir. Temos de ter cuidado a louvar, mas também a linchar. São duas faces igualmente desinformadas da moeda.
Hão-de dizer-me se fazem o mesmo que eu dei por mim a fazer (aguardem pelo quarto parágrafo, sim?).
É mais do que habitual procurar classificações e opiniões online antes de me comprometer com algum produto ou serviço hoje em dia. Não se procuram restaurantes pelas placas ou toldos, vamos ao TripAdvisor. Vemos os problemas dos alojamentos no Booking. Sabemos se vale a pena visitar determinado local pelas impressões dos guias locais do Google.
Até aqui tudo bem. Informação é poder. Queremos viver as melhores experiências e ninguém nos vai censurar por isso – mesmo antes da internet existiam guias nas diversas áreas, só que agora estão muito mais acessíveis e maleáveis.
Eis o berbicacho: e quando temos vontade de fazer algo e não fazemos porque milhares de pessoas não aconselham? Quando a capa e a sinopse de um livro nos deixam a salivar por mais, mas a pontuação do Goodreads nos compele a deixá-lo na estante? Quando – mais grave ainda e já o fiz – uma pessoa em carne e osso nos diz que devemos ir a determinado restaurante, mas procuramos outro porque não está assim tão bem cotado no Zomato?
Ouço sempre falar dos perigos das redes sociais em particular e da internet no geral. A alienação social em detrimento de uma convivência puramente virtual (que ainda por cima facilita o ato de destilar ódio). As aspirações irreais que levam à depressão por vermos os melhores momentos de toda a gente através do nosso ecrã e raramente os maus, por que todos passamos.
Factos inegáveis, mas que se tornam mais ligeiros, se deles tivermos consciência. Se formos educados para consumir online, como somos noutras instâncias.
Factos inegáveis, mas que constituem algumas desvantagens nas mesmas plataformas que nos trouxeram um mundo de outras vantagens que se sobrepõem. Como tantas outras inovações, antes do www.
Este efeito-rebanho não é mais nem menos perigoso que esses, que tolero por um bem maior. No entanto, assustou-me mais simplesmente porque sou uma control freak e percebi que - sem perceber - a dependência da internet me estava a tirar o controlo que tanto estimo. Porque sempre fui tão pouco influenciada pelos pares que passei bem uma adolescência sem fumar nem beber álcool. Agora estou a fazer o que todos fazem e recomendam.
É verdade que milhares de pessoas não estarão enganadas quanto à qualidade de um filme que pesquise no IMDB, mas e se a minha experiência pessoal e sensibilidade particular mo permitir apreciar de uma forma que poucos outros fizeram? É verdade que milhares de pessoas adoraram visitar aquela praça, mas não são também milhares de pessoas que apoiam o Trump? (yes, I went there)
Se somos todos tão diferentes, porque assumimos que em todos os casos seremos iguais à maioria? Assim, de repente veio-me à memória um comentário que li sobre um alojamento onde se atribuíam defeitos ao pequeno-almoço. Era qualquer coisa como isto: só tinha 3 tipos de croissants. Eu consigo totalmente viver num mundo onde só existem dois tipos de croissants. Desde que haja Nutella para os besuntar, claro está.
Tomando esta consciência - que tinha de forma global, como fenómeno, mas do qual negava ser vítima – não deixarei de olhar para classificações e comentários. É verdade. Mas procurarei não perder a escolha por instinto, a escolha espontânea, a escolha pelo toldo mais bonito, a escolha pela capa aliciante, a escolha pelo conselho de uma pessoa contra as outras, a escolha de olhos fechados quando não for problema de arriscar. Procurarei descobrir o que ainda não foi visto, também. Quem sabe, ser a primeira a deixar o comentário positivo daquele negócio que soube ler as críticas anteriores e melhorar.
Este texto tem uma pontuação de 2,8 em 5.
Votos de 345 utilizadores no BlogReads Advisor por guias locais.
Comentários mais úteis:
5 estrelas - Texto magnífico. Eu dei 5 estrelas. Achei lindo. Coisa para emoldurar. Beijinhos filha. PS: Vens jantar?
A autora achou esta opinião útil.
1 estrela - Devia morrer por usar o acordo ortográfico. E ir para o inferno porque nem sempre se lembra de o usar, o que é só incoerente.
23 pessoas acharam esta opinião útil.
2 estrelas - Pontos pela reflexão, mas o seu uso de vírgulas provoca-me náuseas. Não leve a mal. 65 pessoas acharam esta opinião útil.
Sou uma desgraça para a minha geração. Foram poucos os conhecimentos que travei virtualmente e foram poucas as pessoas que saíram do ecrã para a rua. O Mirc era entretenimento de uma amiga e eu só entrava na brincadeira nas horas que ia para ao pé dela, à meia-luz, no escritório do pai. O Messenger era para conversas profundas, mas travadas com quem já conhecia e depois passava a conhecer melhor. O Hi5 primeiro e o Facebook depois tinham o filtro da amizade apertado.
E depois aconteceu este blog. Eu nem precisava de mais amigos, juro. Mas há pessoas que passeiam por aqui e eu até já sei o que vão dizer. São-me familiares. Sinto-lhes a falta, se desaparecem. Algumas passam da caixa de comentários do blog para outras janelas. Outras passam dessas janelas e eu digo-lhes que não precisam esticar a perna: eu abro-lhes a porta. Foi por acidente, foi mesmo. Só que os meus dias já não são os mesmos sem estes meus acidentes virtuais.
Estava eu no outro dia muito contente a gozar com uma amiga que diz uí-fí quando reparo em mais gente à minha volta a defender essa pronúncia. E daí para a frente tenho notado um mar de pessoas nesta asneira.
Eu sempre disse uái-fái, que é sim senhor, à inglesa, talvez errado, mas é a origem da bicha (do vocábulo) e também não é assim que se aportuguesa uma palavra. Então que leiam em português a sério: digam ví-fí. Váaaa...digam ví-fí!
O anónimo é um ser que odeia por profissão. Muitas vezes é apenas o seu part-time, tendo como ocupação principal um emprego nove-às-seis que o frustra - e que, se Deus quiser, inclui acesso à Internet para fazer uma perninha naquele que é o seu verdadeiro sonho profissional: odiar pessoas digitalmente.
O anónimo é um ser ternurento ao vivo, que quase sempre esconde com sucesso o seu esgar de nojo e tapa com base o verde-inveja. Mas dêem-lhe o conforto de um teclado e um ecrã e o anónimo revela a sua essência, deixando fluir os instintos primários.
O anónimo alimenta-se em matilha. Estas matilhas podem ser encontradas abaixo de notícias no Diário Digital ou em posts de bloggers. Quanto mais feliz for a notícia ou mais bem sucedido for o blogger, maior será, em proporção, a matilha destes seres.
O anónimo é muitas vezes um bicho incompreendido, que se consome na sua própria raiva e espelha publicamente as suas frustrações. Nem todos os anónimos o são no sentido literal. Há os que dão o nome, embora só digitalmente assuma o seu carácter maldoso, preferencialmente, contra vítimas que ele não conhece (mas almeja igualar).
O anónimo é vulgarmente da família das araras, dos elefantes ou dos bicho-preguiça.